sexta-feira, março 24, 2006

Cópia e plágio na internet

Foto


Quando quero enviar para alguém um poema ou texto de minha autoria, e ele está em minha página na internet, acho mais rápido encontrá-lo escrevendo um verso em algum buscador. Fiz isso há pouco tempo e encontrei vários poemas meus em um fotolog. As fotografias e os poemas combinaram bem, e não seria tão mau ter uma fã se ela tivesse colocado meu nome como autora.

O mesmo aconteceu com a organizadora da coluna Orkultural, Chris Herrmann. Nós duas conversamos sobre o assunto e achamos bom ter fãs internautas, e muitos autores gostam, mas ficamos chateadas porque os autores merecem e precisam do crédito pelas suas obras, já que muitos apreciadores não pedem autorização quando copiam e publicam obras alheias. Mas algo pior pode acontecer a um texto solto pela internet: tornar-se apócrifo.

Na tradição cristã, apócrifo é um texto de origem desconhecida que não faz parte da Bíblia. Os textos apócrifos falam sobre a vida de Jesus Cristo e dos apóstolos e são considerados ilegítimos, como o Evangelho de Maria Madalena.

A palavra apócrifo vem do grego apokryphos, que significa não autêntico, oculto. Para a literatura que circula na internet, o texto de autoria desconhecida, ou sem autenticidade, é apócrifo.

Recentemente, Dan Brown, com o livro “O código da Vinci”, tentou mexer com os segredos apócrifos (no sentido de ocultos) do Cristianismo, tramando um enredo em que seitas e igrejas tentam proteger as verdades sobre Jesus Cristo e Maria Madalena. Além de sofrer os ataques das igrejas e seitas mencionadas no livro, ele também foi acusado de plagiar o enredo de outro livro escrito há duas décadas. Esse caso com Dan Brown traz a repercussão sobre a lei dos direitos autorais, que indica também as formas de se “tomar emprestadas” as idéias dos outros.

A internet parece estar livre de direitos autorais, mas não está. Para maiores detalhes, há em Blocos online vários artigos e notícias sobre direitos autorais, inclusive sobre ética na internet.

As obras que circulam na internet têm autorias atribuídas muitas vezes a escritores famosos, como Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector. Há um texto chamado “Viver não dói” que cita Drummond como autor, e é semelhante em muitos versos ao poema “Canção”, de Emílio Moura. “Ter ou não ter namorado” é uma crônica que já recebi várias vezes como sendo de Drummond, mas é de Artur da Távola.

Muitos autores vivos, como Luis Fernando Verissimo e Arnaldo Jabor, já cansaram de falar sobre a falsidade dos textos atribuídos a eles. Em Blocos online, José Nêumanne - Jornalista, editor, comentarista, poeta e escritor, na sua coluna de 9 de fevereiro de 2006, alertou sobre um texto apócrifo que critica o programa Big Brother Brasil e cita seu nome como autor. Nêumanne diz na sua coluna que sequer assiste ao programa. Além de tudo, o apócrifo em questão está assinado por um “autor” chamado Neumani.

Na semana do Dia da Mulher, recebi de uma página para professores um texto chamado “Te desejo”, com autoria atribuída a Victor Hugo. Fiz o que muitos fazem, ao tentar atestar uma autoria, pesquisei na internet e dezenas de páginas constavam-no realmente como o autor. Nelson Rodrigues dizia, e acho que não é uma frase apócrifa, que “toda unanimidade é burra”. Não devemos acreditar em páginas que não sejam confiáveis. Acreditei em dezenas delas e repassei o texto para os amigos.

Parece incrível, mas repassei para a autora seu próprio texto com autoria falsa. E ela ainda teve a humildade de dizer em sua página que “se espalhou por aí deve ser porque teve ar de uma boa semente...” Enquanto conversávamos sobre isso, ela me passou outra semente, um arquivo em Power Point com fotos belíssimas atribuídas a Salvador Dalí, mas logo reconheci que eram de Vladimir Kush, pois já tinha tomado como empréstimo uma foto dele para meu blog – com autoria e fonte.

De uma loja virtual, recebi uma mensagem pelo Dia da Mulher sem autoria. Repassei a mensagem e outra amiga a reconheceu como presente que o próprio autor lhe deu. Disse que ele trabalha para a empresa que me enviou e me deu o endereço da página pessoal dele, onde ele assume a autoria. Pelo menos não foi plágio da empresa.

E as mensagens não param de circular. Ainda este mês recebi de um grupo de mensagens virtuais um famoso texto chamado “Instantes”, escrito há anos e publicado em todo lugar como sendo de Jorge Luis Borges. O caso foi bem falado durante muito tempo e a autoria negada, mas continuam dizendo que é de Borges.

Há poucos dias, a Universidade de Oxford, na Inglaterra, alertou sobre o aumento dos casos de plágio entre os estudantes, que copiam trabalhos inteiros da internet e não citam autor ou fonte. Nessa universidade, os estudantes assinam contrato contra plágio, o que não garante que os estudantes parem de copiar e colar indiscriminadamente.

A internet se torna maior a cada dia, a cada nova linha escrita. Não dá para fiscalizar o que acontece em todas as letras e imagens. Muitos se aproveitam do acesso fácil e da impunidade para roubar o material intelectual alheio. Mas isso não faz da internet uma terra sem lei. Nosso papel, como autores e leitores, é tentar dar o devido crédito ao texto alheio, mas o crédito certo, não apócrifo ou anônimo.

Como já disse Millôr Fernandes, “copiar um autor é plágio, copiar muitos autores é pesquisa”. Aliás, se alguém ficar sabendo que essa frase não é dele, por favor me avise.

Solange Firmino


* Texto publicado na Coluna Orkultural nº 14 , em Blocos online, no dia 24 de março de 2006. E também na Caros Amigos e Garganta da Serpente.




sábado, março 18, 2006

Silêncio


Silêncio,
presente na ausência do som
e na mudez da palavra,
quando gesto e olhar têm voz

Se o corpo inteiro quer falar,
o mímico reinventa o mundo
nos gestos silenciosos
e diz tudo

Solange Firmino






Homenagem ao poeta, mímico e artista plástico jiddu Saldanha.
Na fotografia, sua apresentação no Largo do Machado, em 18/03/06.

segunda-feira, março 13, 2006

Palhaço

Eu, de palhaça Borboleta


Sou palhaço
quando me disfarço.
Se por dentro
a dor não tem maquiagem,
por fora,
sorrisos e cores me fazem
contente.

Quando me escondo
em cambalhotas diárias,
sou mágico-equilibrista.

Se quero chorar,
máscaras não escondem lágrimas.
Mas se esqueço a tristeza,
logo volta o sorriso.

Solange Firmino




Comemora-se o Dia do Circo em 27 de março, numa homenagem ao palhaço brasileiro Piolin, que nasceu nessa data, no ano de 1897, na cidade de Ribeirão Preto, São Paulo.

Considerado por todos que o assistiram como um grande palhaço, Piolin se destacava pela enorme criatividade cômica e pela habilidade como ginasta e equilibrista. Seus contemporâneos diziam que ele era o pai de todos os que, de cara pintada e colarinho alto, sabiam fazer o povo rir.

Fonte: IBGE

sábado, março 11, 2006

Borboleta...

Borboleta,
quero ser flor
para beijar
teu arco-íris
quando pousas

Quero todas
as tuas cores
para pintar
paisagens
por onde eu passar

Quero o sossego
do teu vôo
saltitante e feliz

Solange firmino


*Nesse dia, à noite, era minha apresentação como Palhaça Borboleta.

Poesia

Para ti sussurro
o que dita a Musa
no silêncio
no princípio e
no fim do dia

Fonemas, palavras, dígitos
impressões tatuadas
nos papéis e nas telas

Tu és minha
permanência
meu rastro pelo caminho
efêmero

Solange Firmino



Figura:Erato, musa da poesia lírica


domingo, março 05, 2006

Equilibrista

Foto de Faísca

Na corda bamba do dia,

equilibro-me subindo e descendo
na ampulheta das horas.

O minuto seguinte
é um abismo
de expectativa.
Mas de tanto renascer
diariamente
já não sinto vertigem.

Solange Firmino

sábado, março 04, 2006

Ser mãe, ser mulher


A dor de Deméter
é minha dor.
O retorno de Perséfone
é minha alegria.
A prece de Maria é
meu silêncio.

Pandora, ordem do mundo,
é rancor para os homens
e corrente
para as mulheres.

Meu ventre, casulo de semente,
foi o único descanso real
do meu filho,
minha dor e
meu consolo.

Solange Firmino



terça-feira, fevereiro 21, 2006

Internetês


Internetês


A Língua Portuguesa mudou através dos séculos. E continua mudando. A forma de tratamento “Vossa Mercê” sofreu mudanças lingüísticas até a forma “você”, que continuou mudando até a pronúncia “cê vai?” e a atual escrita dos usuários da internet: “vc”.

Uso de abreviação na fala e na escrita não é novidade. Neologismo também não. A todo momento surgem grupos que criam seu próprio vocabulário, com palavras que às vezes se tornam gírias, como muitas expressões faladas pelos surfistas e outras “galeras”, “tá ligado?”. Alguns diálogos são até inacessíveis a pessoas que não fazem parte de alguma “tribo”.

Os usuários da internet utilizam uma linguagem própria nas salas de bate-papo. Encurtaram palavras, retiraram acentos, pontuações e criaram mais um fenômeno de variação lingüística, o internetês, uma espécie de dialeto do mundo digital com palavras e abreviaturas que são verdadeiros códigos entre internautas .

Em um canal de TV por assinatura há uma sessão chamada “Cyber Movie”, que exibe semanalmente filmes com legendas em internetês. Em alguns segundos é possível ler palavras como naum (não), kra (cara), fazendu (fazendo), estaum (estão) e D+ (demais), o que pode deixar confusa uma pessoa que não faça parte do contexto das conversas instantâneas.

É possível aprender estenografia, um tipo de escrita simplificada que aproveita melhor o tempo e o espaço, assim como o objetivo do internetês. Será que no futuro próximo haverá curso de internetês para ver os filmes ou entender o que os alunos escrevem? Aceito o dinamismo da língua, mas torço para que os cinemas não tenham a mesma idéia da TV por assinatura.

Acatar todas as grafias e falas “alternativas” e propagá-las na mídia é um exagero. Em Lingüística, aprendemos noções de variedade lingüística. E também de adequação. É preconceito lingüístico classificar os socioletos em certo e errado, de acordo com a norma padrão da língua, mas devemos ficar atentos com a adequação no uso da língua.

Vale mostrar nas escolas que a civilização não vai acabar com a expansão do internetês, mas o aluno tem que entender que a variação linguística permite escolhas adequadas e que essa linguagem é legítima, mas limitada a um tipo de interlocutor.

O internetês é uma espécie de variação da língua entre pessoas que utilizam a internet e sua característica é a agilidade e facilidade de escrita. O desafio é mostrar ao aluno que ele não pode produzir textos o tempo todo como se estivesse nas salas de bate-papo, ou seja, deve aprender a utilizar de forma adequada os diversos registros de linguagem, inclusive a norma culta.


Solange Firmino


Texto publicado na coluna Orkultural n° 12 em Blocos online, em 24/02/06.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Real e virtual


Emoções reais

O mundo virtual é impessoal e sem sentimentos. Não se trocam idéias, a comunicação tem direção única e afasta as pessoas do contato olho no olho. Cansamos de ler frases desse tipo. Mas também lemos e ouvimos ótimas referências sobre a internet. Como toda revolução, estando no meio dela ainda é difícil falar sobre os seus resultados, mesmo assim, podemos sempre falar de alguns benefícios que a internet traz para o nosso cotidiano.

Parodiando o título do livro de José Saramago, Ensaio sobre a cegueira, imagine um "Ensaio sobre o mundo sem computadores". Certamente, depois das experiências que tivemos nos últimos dez anos com o ciberespaço, seria meio caótico ficar sem computadores nas empresas, bancos, hospitais e até sem os computadores caseiros. Vivemos sem eles até bem pouco tempo, mas nossa estrutura atual depende muito deles.

Um dos aspectos mais comentados sobre o uso de computadores é o de que as pessoas deixam de se relacionar com as outras. Mas talvez seja o contrário, pois hoje um dos meios mais fáceis de conhecer e conversar com alguém é através da internet. Claro que há várias formas de fazê-lo e cada um vai se adaptar aos seus próprios objetivos.

Comunidades virtuais como Orkut representam um pequeno mundo nas relações sociais da atualidade, pois possibilita a troca de informações e o ganho de amizades e amores através da internet. E possibilita a perda também, já que um grande problema é a falta de privacidade dos dados à mostra, o que pode provocar reações como ciúmes. Mas com milhares de pessoas com perfis e imagens tão interessantes, não será difícil achar uma princesa ou príncipe encantado.

Mas não é exatamente encantada no sentido dos contos de fada a pessoa com quem dialogamos. Falamos com um ser humano através do computador. E inteligência dos animais ainda não permite que eles usem o teclado com eficiência. Quando estamos na internet a relação também não é com o computador, é com as pessoas que imaginamos que estão nos ouvindo, lendo, escutando. Se muitas pessoas só são sociáveis através dele, se a pessoa se isola do mundo externo e só se sente segura com relações através da internet, é outra história.

Não podemos dizer que o computador afasta as pessoas, quando muitas estão juntas por causa dele e através dele. Temos que saber dosar nossas experiências, tanto nas relações reais como nas chamadas relações virtuais. Discute-se muito também qual a relação entre os termos real e virtual. Virtual não é físico, mas a simulação de algo que não está no real, não está presente.

Assim, houve a simulação da festa de aniversário da Leila Míccolis, uma das fundadoras, sócia e editora de Blocos online, entre os dias 28 de dezembro de 2005 e 2 de janeiro de 2006. Ninguém poderá dizer que não houve interação entre as pessoas que lá escreveram.

Durante quase uma semana, amigos chegaram no tópico da festa e deixaram seu carinho através das palavras. E as palavras lidas afetaram emocionalmente a querida Leila. Houve troca, afeição e desejos sinceros de feliz vida, saúde, paz e felicidade. Tanto que ela desejou fazer aniversário mais vezes durante o ano, claro, sem trocar a idade, porque a festa pode ser virtual, mas a idade é real.

O limite entre o real e o imaginário não está bem definido ainda, mas entre um e outro está, com certeza, o ser humano real, de carne e osso. E seria bem difícil fazer uma festa com pessoas de carne e osso de vários estados do Brasil e até pessoas de outros países, durante vários dias, na sua casa real da Leila. A festa virtual foi possível graças ao tipo de encontro que a internet pode proporcionar.

O virtual pode ser concreto quando há interação, pois as pessoas podem não ser tocar fisicamente, mas a emoção é um sentimento real e pode nos transformar e engrandecer como pessoas. Eu não imaginei que aquela festa seria a minha despedida do Orkut. Assim como ela foi inesquecível para Leila, será para mim também.

Solange Firmino

Leia o depoimento de Leila Míccolis sobre a festa: PRIMEIRA FESTA VIRTUAL DE ANIVERSÁRIO

Texto publicado dia 14/02/ 06 em Blocos online

Emoções reais - Solange Firmino

sábado, fevereiro 11, 2006

Dia da Árvore



Foto tirada por mim na rua do Catete

Sabedoria vegetal

"Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal."
[Manoel de Barros]


Há a estação dos frutos.
Ninguém celebra a estação das sombras.

[Mia Couto]


Da árvore, admiro as raízes fincadas na terra fértil.
Quero ser forte como o caule
que suporta adversidades.
Venero os galhos que acolhem ninhos.

Invejo a sombra confortável
e os frutos que guardam a semente.
Quando chega o outono,
saúdo as folhas que enfeitam o chão,
húmus vegetal,                                             
começo de árvore em outra estação.

Solange Firmino.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Odisséia

Placa de terracota com retorno de Ulisses. Museu Metropolitan.

Odisséia


Vivo em circunviagem.

Ulisses sem Ítaca, tenho saudade

de quem me espera.


Tantas voltas dou, Penélope tecendo,

faço meu caminho em mares profundos.

Um porto de vez em quando me faz companhia.


A cada gesto de partida,

mais perto fico da chegada.

Nas tormentas, procuro o desconhecido

no espaço cíclico.

Viajo sem regresso previsto.


Peregrino sem âncora ou bússola.

Nas travessias cruéis,

entre Cila, Caribde e Ciclopes,

enfrento naufrágios, armadilhas

e expectativas.

Encantam-me Circes, olhares e palavras.


Retorno pela memória.

Navego pelo visto, ouvido e amado.

Só assim me livro do exílio.

Encontro-me esperando por mim

no meio de tantos sonhos tecidos

enquanto eu crescia.


Solange Firmino

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Autopseudobiografia












"O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
[Fernando Pessoa – Autopsicografia]


Finjo
um ventre exposto
para que palavras
me fecundem

Finjo
que me rendo
aos versos
como abrigo para
o eterno

Finjo
que dói
achar no espelho
cansaço e inquietude

Finjo
que ajeito
flores despencadas
cortinas tortas
travesseiros
gavetas

Finjo
que finjo
qualquer fingimento
e não mando flores
para mim mesma

Solange Firmino

sábado, janeiro 28, 2006

Fotografia

Eu em 2000


O que vai ficar na fotografia
São os laços invisíveis que havia.
[Composição: Leoni e Léo Jaime]


Fotografia 


Bolor de memória

nas imagens

Instante esculpido

na dimensão plana

quase apagada

do papel

um pedaço de mim

em gesto de estátua

fragmentos do passado

nas pessoas que me espreitam

ausentes

quase vivas


muitas ainda em preto e branco


Mistério do tempo parado

pela luz

No futuro

quem sabe

serei outra imagem

holográfica ou megapixels

talvez até mais duradoura

quem sabe fixa, para sempre


Solange Firmino

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Caminhos


caminhos são vários
caminhos são passos

sem fim ou começo

permitem

retorno
desvio
tropeço

Solange Firmino

Equilíbrio



Labirinto
é para se perder
no meio das rotas
tortas
ou
retas

Bom é achar
abrigos
caminhos
portas
destinos

Ideal
é transcendê-lo
em vôo
como Dédalo

Não tão perto
do sol
como Ícaro

Labirinto é
para achar
o caminho
do meio

Solange Firmino

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Para onde você olha?

Para onde você olha?

No penúltimo texto da coluna Orkultural, falei sobre aproveitar o tempo (Carpe diem) e harmonizar Cronos e Kairos - o tempo do relógio e o tempo vivido.
No último texto, abordei a idéia de fim ou começo e nossa posição sem tempo definido no calendário.

Grandes pensadores, em várias áreas do conhecimento e em diferentes épocas tentaram entender o tempo. Ontem, hoje, amanhã, presente, passado e futuro sempre foram questões abordadas em seus aspectos cronológicos, existenciais, reais ou imaginários.

Como conservar o tempo? Que tempo é real e concreto? O tempo que passou ficou guardado em algum lugar? É possível viajar no tempo? Não sei. Mas muito se fala em aproveitar o dia que logicamente parece ser mais “palpável”, o presente. Aproveitar somente o dia de hoje pode parecer simples, mas o presente está entre o passado e o futuro, duas faces – uma que nós conhecemos, porque foi vivida e outra que não conhecemos, com todas as suas possibilidades.

Passado e futuro são duas fases no ritmo de nossas vidas, assim como tantos outros símbolos que representam a dualidade: novo e velho, dentro e fora, bonito e feio, feminino e masculino, yin e yang, etc. A dualidade também está simbolizada nas faces de Janus, divindade romana de aparência bifronte, com uma face voltada para o passado e outra para o futuro.

Na Antigüidade, muitas cidades tinham fortificações com portas nas entradas. Janus era adorado como o Senhor dos Inícios e como protetor das Portas e Passagens. Ele era o porteiro celestial e suas faces representavam o término e o começo, o passado e o futuro. Era responsável, portanto, pela abertura das portas do ano que iniciava. E toda porta se volta para dois lados...

Na origem do nosso calendário há homenagens a diversos deuses romanos. O mês de março origina-se do culto a Marte, deus romano da guerra. Janeiro era consagrado a Janus que, por ter duas faces, podia olhar ao mesmo tempo os dois anos, aquele que terminara e aquele que estava começando.

Sabemos que o passado tem tradições, mas também tem perdas. O futuro tem possibilidades, mas os riscos são desconhecidos. O que Janus pode nos ensinar é como voltar a face para os dois lados.

Aproveitemos que ainda estamos em janeiro e olhemos para os dois lados. Que possamos aprender com a vivência do caminho já trilhado a compreender melhor o presente e, por conseqüência, caminhar de modo mais lúcido para o futuro.

Solange Firmino

*Figura: representação de Janus.

Publicado na coluna Orkultural n° 10, janeiro de 2006.


segunda-feira, janeiro 09, 2006

O que você está ouvindo?



* Artigo escrito para a coluna Orkultural de novembro de 2005 em Blocosonline.

O que você está ouvindo?

Não, esse título não é uma brincadeira com o nome da comunidade anunciada na coluna Orkultural de 8 de novembro, “O que você está lendo?“. Também não é sobre uma comunidade de música.

Alguém já fez essa pergunta a você querendo saber que livro você está ouvindo? O livro para ser ouvido não é novidade. Há poucos anos, podia-se aprender inglês ouvindo fita cassete ou ouvir histórias infantis em disquinhos coloridos. E já tem tempo também que são disponibilizados arquivos em áudio para deficientes visuais.

O que é novidade é a popularidade que o livro para ser ouvido vem ganhando com o tempo e atualmente há editoras e páginas na internet especializadas na venda desses chamados áudio-livros.

Aproveitando as tecnologias atuais de compactação de arquivos, o áudio-livro, em formato mp3, ocupa até 12 vezes menos memória que outros formatos. E ainda há a garantia de um som limpo, bem diferente das fitas e minidiscos.

Há um sistema de download com código específico criado para cada cliente e cada livro. Com o código, o cliente pode fazer o download, isto é, baixar o arquivo de áudio, onde e quando preferir. Há também a possibilidade de gravar os arquivos em CD ou copiar para os dispositivos de áudio portáteis pra ouvir quando quiser.

A grande idéia para vender o livro é que você pode “ler” enquanto faz outras coisas, diferente do livro convencional. Afinal, é bem difícil ler um livro enquanto está dirigindo, lavando louça ou levando o cachorro pra passear, não é?

Em uma propaganda, lê-se o seguinte: “...é possível completar a sua cultura geral, aprender uma técnica particular, estudar um assunto específico, se divertir ou simplesmente sonhar escutando uma história. “ Há disponíveis livros de auto-ajuda, filosofia, história, aprendizado de línguas estrangeiras e muitos outros gêneros, atingindo o grande público.

Rubem Alves disse, em uma entrevista sobre o lançamento de sua obra em áudio, que “nossos ouvidos também são Instrumentos para ler o mundo.” Conta também que recebeu carta de uma deficiente visual sugerindo a venda de seus livros em formato digitalizados, podendo assim chegar a mais pessoas.

Claro que não a todas as pessoas, pois tem sempre aquelas que não gostam das novidades, que não usam máquinas digitais, celulares e outras coisas que os avanços tecnológicos proporcionam.

Tudo bem, o livro de papel não está ameaçado de ser substituído pelo livro eletrônico, e não podemos negar a utilidade do áudio-livro.

Depois de ler isso, será que você vai correndo ser o primeiro a abrir a comunidade “Que livro você está ouvindo?”

Solange Firmino

domingo, janeiro 08, 2006

Fim ou começo? Ou o começo do fim?

Estamos no início de mais um ano. E se você está lendo esse texto, sobreviveu a mais uma página no calendário. Certamente, não teve medo do Apocalipse depois de meia-noite. Após várias modificações nos calendários através dos séculos, e com o atual horário de verão, fica difícil ainda temer a passagem de 31 de dezembro para primeiro de janeiro. O último dia pode ser qualquer um, afinal, nem sabemos a qual calendário o Dia do Juízo Final obedecerá.

Recebi dezenas de mensagens desejando “Feliz Ano Novo”, mas nenhuma falou do medo do fim, apenas da alegria do novo começo. Antes do ano 2000, muito se escreveu sobre o fim dos tempos ou Apocalipse, e até sobre um bug do milênio, que nem aconteceu... Sobre o fim do mundo de verdade, não saberemos, se for mesmo o fim.

A literatura registrou vários fins, como o fim de Constantinopla, da Biblioteca de Alexandria e da Primeira Guerra Mundial. Sobre o fim do século XX muito se escreveu, parecia fatídico, cheio de previsões assustadoras.
Agora, parece que somos imortais, ninguém faz lista do que faria se fosse o último dia.

Meu amor o que você faria?
Se só te restasse esse dia
Se O mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?
[Composição de Lenine e Paulinho Moska]

A música acima foi muito cantada no fim do milênio. E muitos filmes trataram do tema do fim do mundo, mas sempre teve um mocinho salvando a nossa pele. Além das previsões religiosas, muitos estudiosos fazem seus cálculos e hipóteses de quando será o fim da terra.

Na década de 80, Carl Sagan produziu a série Cosmos e sempre alertou sobre o maior perigo, a autodestruição – nem precisamos de profecias para saber que o que fazemos ao planeta no dia a dia está nos destruindo.
Sempre achei Carl Sagan esperançoso de que nós ainda poderíamos salvar o planeta do fim trágico.

Contrariando as idéias de Sagan, o filósofo John Gray defende em seu livro, Cachorros de Palha, a tese de que a humanidade está enganada se acredita que ocupa um lugar destacado no Universo. Pior, diz que não podemos controlar nosso destino nem somos capazes de construir um mundo melhor.

Não sei quem está certo, mas o futuro não parece muito promissor com as hipóteses de guerra nuclear, os buracos na camada de Ozônio, o excesso de população e a falta de recursos e o superaquecimento do sol.

Enfim, centenas de motivos, naturais ou provocados por nós, podem levar ao fim tudo o que conhecemos como real. O mundo será dominado pelas máquinas? Descobriremos uma Matrix? Ou tudo não passa de ficção científica e logo teremos paz?

Podemos começar “ontem” a fazer as coisas certas e manter o que ainda resta no planeta. Mas que seja antes de o sol explodir e reduzir tudo a cinzas.

Solange Firmino

* Leia esta crônica e dicas do mundo do Orkut na coluna Orkultural de Chris Herrmann em Blocos online.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Barca de Caronte


Caronte é uma divindade infernal da mitologia grega. Sua função era atravessar as almas dos mortos pelo rio Aqueronte - e só recebia as almas daqueles que haviam sido sepultados, exigindo-lhes o óbolo como pagamento para a travessia. As almas que não levavam o óbolo, ou não haviam sido sepultadas, ficavam chorando eternamente nas margens dos rios infernais.


Lá vem a Barca de Caronte
levando embora o ano velho.
Joga sua moeda,
permite sua passagem
no fluxo do tempo.
Deixa que mais um ano
vá pelas águas correntes
do Universo circular.
E que venha outro
Ano Novo.

Solange Firmino


Figura:Barca de Caronte

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Teatro, eterno palco




O Teatro parece estar presente em qualquer tempo do que conhecemos como a história da humanidade. Seja como religiosidade, entretenimento ou outras expressões, a arte de representar expressou, em todas as épocas, os questionamentos do homem, que buscava compreender os mistérios da criação do mundo, da sua existência e de outros elementos que a memória mítica preservou.


O homem das primeiras sociedades tentava explicar seus problemas existenciais e sociais através dos mitos. Assim, aos fenômenos da natureza era atribuída uma origem divina. A Religião (do latim “religare”, ato de ligar) une o homem ao divino pela realização dos diferentes ritos lembrados pelos mitos.


A origem do teatro está nessas sociedades, em que atividades como danças, cultos aos deuses e elementos da natureza eram ritos considerados necessários à sobrevivência do grupo. Essas representações podem ser consideradas como início da expressão teatral pela forma imitativa com que eram realizadas.

Há exemplos de manifestações teatrais em vários povos antes dos helenos. Contudo, a herança do teatro ocidental está ligada aos mitos gregos e aos festivais religiosos em honra ao deus Dioniso.


Posteriormente, os próprios gregos formalizaram o teatro como espaço cênico e não mais como um ritual religioso. Através da mitologia grega, como conjunto das narrativas sobre deuses, heróis e homens, é possível acompanhar as transformações do pensamento daquela sociedade e das suas reproduções nas artes. Assim como as circunstâncias históricas, as artes também se modificam. Os deuses descritos por Hesíodo são diferentes dos deuses de Homero.


No século XXI, as máscaras carnavalescas não têm o mesmo significado que as tradicionais máscaras teatrais gregas. Mas o teatro grego e a mitologia ainda são referências em todas as artes. Mudam-se os mitos, os ritos e as religiões, mas o teatro continua sendo o eterno palco onde o homem expõe suas relações com o mundo.


Solange Firmino

*Texto escrito para a coluna "Célebres cenas" da E-Zine Entre Palavras.

 


Síndromes, complexos e literatura


Se você procurar “Peter Pan” entre as comunidades em português do Orkut, achará 136 ocorrências. As chamadas são muitas: se você gosta de fantasia e encantos, se sonha em ver o Peter Pan na janela vindo te buscar para viver na Terra do Nunca, se acha que a vida adulta é estressante e chata e não está a fim de assumir responsabilidades, você tem alguns motivos para ser fã do Peter Pan.

Peter Pan é um personagem tão conhecido quanto vários outros dos contos clássicos, como Cinderela e Chapeuzinho Vermelho. Eu o conheci pelas histórias de Walt Disney, nunca li o romance de J. M. Barrie, que criou a história de Peter Pan enquanto esteve com Sylvia Llewelyn Davies e sua família.

Em 1902, Barrie publicou seu livro. Em 1904, houve uma adaptação para a peça que estreou em Londres. Desde então, sua história ganhou várias adaptações, desde musicais a versões animadas para o cinema, de Walt Disney a Steven Spielberg. A última boa adaptação foi o filme “Em busca da Terra do Nunca” (Finding Neverland”), de Marc Forster, em que se imagina de modo muito romântico o que teria acontecido nos encontros de Barrie e a família de Sylvia.

Chorei muito com a história, que não representa exatamente a realidade, mas um conto de fadas nos moldes tradicionais, uma linda fantasia em homenagem ao escritor e seu personagem inspirador. E Barrie é Johnny Depp, o que faz com que eu deseje não ser eternamente criança...

Eu não era exatamente criança quando me interessei mais profundamente sobre por Peter Pan. Li o livro “Síndrome de Peter Pan”, do psicólogo americano Dan Kiley, não por que entendia de psicologia, eu tinha 15 anos e encontrei o livro na biblioteca da escola. Na década de 80, o livro era bastante famoso, como o Complexo de Cinderela, de Colette Dawling.

Depois da leitura, e não posso dizer que tenha entendido, eu quis ser psicóloga. Não sou. Peguei emprestado porque gostava das aventuras mágicas do menino que não queria crescer. Também não entendia muito bem o que era “aquele” crescer. Na época, crescer era não caber nos balanços que meu pai fazia nas árvores do quintal ou ter que aturar as gracinhas dos alunos das séries acima da minha.

A temática da Síndrome de Peter Pan é o crescimento, quando se quer ser sempre criança para não enfrentar as responsabilidades do mundo adulto, que não são poucas! O termo é psiquiátrico e designa o adulto que recusa esse comprometimento e não age conforme sua idade.

Muitos outros elementos da história de Peter Pan foram estudados em várias épocas, desde leituras freudianas com implicações sexuais até as relações arquetípicas de Wendy, quando uma mulher deseja homens imaturos e mais novos que ela.

Muitas síndromes têm seus conceitos baseados em personagens da literatura. Eles influenciam a vida pessoal de tal modo que passam a simbolizar, no coletivo, nossas angústias conscientes e inconscientes. A vida imita a arte ou a arte imita a vida?

Freud, a partir dos relatos de experiências infantis, baseou-se na tragédia de Sófocles, Édipo-Rei, para ilustrar seu Complexo de Édipo, aversão ao pai e preferência pela mãe. Édipo matou o pai, Laio, e casou com a própria mãe, Jocasta. Na mulher, a tendência contrária chama-se Complexo de Electra. Electra, filha de Agamenon e Clitemnestra, depois do assassinato de seu pai pelo amante da mãe, sente o desejo de vingar o pai, incitando a morte da mãe. Electra passa a simbolizar o amor passional pelos pais a ponto de querer sua igualdade pela morte.

Mas não só a literatura grega é inspiradora dos conceitos psicanalíticos. Qualquer outra obra que trate da complexidade do ser humano poder ser um protótipo ou arquétipo para o mundo real, como as figuras de Dom Quixote, Hamlet e praticamente todos os clássicos da literatura infantil.

Muito já se estudou sobre os simbolismos das histórias infantis em Charles Perrault, Hans Christian Andersen e os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, ou você nunca leu sobre o Barba Azul, O Patinho Feio, O Pequeno Polegar e a Bela Adormecida? Se pensar bem, todos têm sua conotação moral, e todos foram adaptados de várias maneiras com o passar dos séculos.

Don Juan é um personagem literário que também inspirou uma síndrome e vários filmes e adaptações, como em obras de Strauss e Mozart. Não faz muito tempo, Marlon Brando e Johnny Depp (de novo...) estrelaram no cinema o filme Don Juan de Marco. No século XVII, Don Juan foi um personagem atribuído ao dramaturgo espanhol Tireso de Molina. Hoje, na era do “ficar” como ideal de relacionamento, Don Juan é símbolo da libertinagem e do eterno sedutor.

E sedutora é para nós, adultos, que já vimos os dois lados da vida, a Terra do Nunca. É o lugar para onde desejamos ir sempre que não sabemos lidar com o chamado mundo real. Os sonhos morrem se não acreditamos neles. Sininho também. A crença na magia faz a imaginação voar. Não temos asas, mas até que já inventamos o avião, o sonho que muitos sonharam e puderam concretizar.

Não só as crianças sonham com a Terra do Nunca “crescer”. Nossa sociedade faz de tudo para preservar a jovialidade, mas só na beleza física, infelizmente. É o que se nota no esporte, na novela, no cinema, na música...

Em todos os períodos da história, diversos povos criaram seus mitos sobre a fonte da juventude. O tempo não pára e a morte é nossa única certeza. Como manter o corpo belo e jovem diante desse “infortúnio”? A jovialidade do espírito raramente é mencionada nos manuais e dietas para manter o corpo jovem.

Goethe terminou seu Fausto aos 82 anos e Franklin, aos 81 anos, ainda ajudava a elaborar a Constituição dos Estados Unidos. Exemplos assim só afirmam o lugar-comum de que jovialidade tem a ver com a alma e não com o corpo. Cada idade tem seus momentos bons e ruins e a literatura também pode ajudar a perceber isso, sem síndromes ou complexos.

Aliás, qual o seu complexo, digo, qual seu personagem preferido? O Lobo Mau ou um dos Três Porquinhos? A bela ou a fera? A bruxa ou a fada? Brincadeira. Mas envelhecer permanecendo o espírito jovem é o melhor que podemos fazer, já nos mostrou bem Peter Pan. E viajar pelo mundo da fantasia é um modo de lidar com o inconsciente sem repressões, mas deixe os complexos por lá mesmo!


Texto publicado na coluna Orkultural de 9 de dezembro de 2005.

*Imagem: Peter Pan.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Mensagens Oníricas

Figura: Salvador Dalí
Desde os tempos mais remotos, o homem utiliza seus sonhos para obter conselhos, resolver problemas e curar suas enfermidades. Antigas gravações sobre tábuas de pedra revelam que os Gregos, do século VI a.C. ao século V d.C., realizavam nos santuários de Esculápio - deus da saúde, curas miraculosas através dos sonhos.

Mas eles não foram os únicos. Hebreus, Egípcios, Hindus, Chineses, Japoneses e Muçulmanos também praticaram a cura através dos sonhos. Até mesmo Hipócrates - pai da medicina moderna, escreveu um “Tratado dos Sonhos”, onde indica a utilização terapêutica de certos símbolos oníricos.
Os psicólogos modernos vêem os sonhos com uma linguagem do inconsciente, portanto, uma realidade psicológica.

Queiramos ou não, os sonhos nos afetam. Tratam de uma realidade com a qual temos de conviver e, por isso, temos de entendê-la, ainda que basicamente, para que possamos integrá-la de forma positiva às nossas vidas.
Todos temos em nosso interior uma série de sonhos artísticos, familiares, econômicos, sociais, políticos, etc.
Todos estamos em contato com esse mundo interior onde vivem os Arquétipos, onde estão os sonhos.

(...)

Leia o texto completo em Blocos online:

Mensagens Oníricas


terça-feira, setembro 20, 2005

Leila Míccolis


Gata,
mas não borralheira,
nem mansa.

Gata,
que vira fera
se no seu rabo
alguém pisa,
é poeta,
não poetisa.

Do seu ninho,
feito em blocos,
não tem vergonha
de dizer palavrões.
Não tem bens
nem alqueires,
não tem medo
de nada.

Gata
escaldada
que ronrona
versos
no cio impudico.

Iguais a ela
há centenas,
mas, pra encurtar prosa,
somente ela é
Leila Míccolis.

Solange


Esse poema é dedicado a Leila, que, além de fazer muitas atividades relacionadas à cultura, é poeta, pois ela diz que "em poetisa todo mundo pisa"...
Visitem a página cultural www.blocosonline.com.br , onde, desde 1996, Leila Míccolis e Urhacy Faustino fazem um ótimo trabalho de divulgação da cultura brasileira.

Uma pequena biografia:
Leila Miccolis nasceu no Rio de Janeiro. É editora, professora de roteiro de televisão, promotora cultural e artista performática. Publicou, entre outros, os livros: Em perfeito mau estado, Editora Achiamé, Rio de Janeiro, 1987; Do poder ao poder - alternativas na poesia e no jornalismo nos anos 60, Editora Tchê, Rio Grande do Sul, 1987; O bom filho a casa torra, editoras Edicon e Blocos, São Paulo e Rio, 1992; Achadas e Perdidas e Sangue cenográfico, Editora Blocos, Rio de Janeiro, 1997.


*Foto e biografia na página:
http://www.secrel.com.br/jpoesia/lmiccolis.html

terça-feira, julho 19, 2005

Gabriel, meu filho


Inocência


Essa parte inteira de mim
nada sabe do instante
que passa pelo seu corpo
que cresce
nas fotografias diárias

Tampouco sabe das palavras do mundo
avessas ou fecundas
ditas ao vento
ou escritas na memória
e no papel

Imerso ainda em fonemas sem assombro,
nada sabe do futuro
de amanhã ou depois:
meu filho brinca
no tempo sem hora
que cerca seu momento
agora.

Solange Firmino



quinta-feira, julho 07, 2005

Não procure...



Não procure por mim
no chão alienado
das esquinas

Procura nos murmúrios
dos ventos livres
e impetuosos

Procura no sem-rumo
dos céus sem cor
à espera de arco-íris

Procura nos raios de sol
que envolvem
as distâncias

Procura no espaço inexplorado
que flutua acima
das formas passageiras

Solange Firmino



Imagem: Filomena Fonseca

sábado, junho 18, 2005

Palavras... por Manoel de Barros

Somos parte da natureza. E, do mesmo modo, somos parte das palavras também. Quantas vezes uma palavra interrompe a gente e aparece? Quantas vezes ela se impõe sem que possamos entender por quê? Uns pensam que é mediunidade, mas é a palavra que fala em nós. Para um poeta,
a palavra que se impõe é mais forte que o sentido.

terça-feira, maio 31, 2005

Van Gogh


"Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh"

Manoel de Barros Posted by Hello

Árvore



* Foto tirada por mim no Jardim do Palácio da República.
Minha árvore preferida, Ficus Religiosa, ou algo parecido.
O poema é do Manoel de Barros.


Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças.
Retiro semelhanças de pessoas com árvores
de pessoas com rãs
de pessoas com pedras
etc etc.

Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã
no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também
sabedoria mineral.
Posted by Hello

sábado, maio 14, 2005

Prece noturna


Quem escuta nossa queixa?
A noite dorme.
A sombra é cega.
A lágrima é inútil.
Os versos soltos se escondem
nos umbrais.
Cortam como lâmina,
mas nada dizem
na solidão das ruas.
Em preto e branco,
cegos tateiam no firmamento
traçado no vácuo.
Meu sono perdido
amanhece no avesso.
Quem escuta minha prece?


Solange Firmino


* Imagem: "Starry night", de Van Gogh.