quarta-feira, abril 20, 2011

Safo, a décima Musa

 Sapho e Phaon – Jacques Louis David, 1809.

 “Dizem que há nove musas, que falta de memória! Esqueceram a décima, Safo de Lesbos.” [Epigrama atribuído a Platão]

Safo foi uma poeta grega muito influente no século VI a.C. Ela vivia em Mitilene, na ilha de Lesbos, local onde teria estabelecido uma academia para mulheres que celebravam a deusa Afrodite na poesia, música e dança. Safo produziu obras memoráveis, tanto que Platão chegou a dizer que ela deveria ser considerada a décima musa. Grande parte de sua obra se perdeu, algumas queimadas na praça pública de Roma e Constantinopla em 1073, por ordem do Papa Gregório VIII. O único poema completo que nos chegou é o ‘Hino de Safo a Afrodite':

                         Em teu trono ofuscante, Afrodite
                         Sagaz filha eterna de Zeus
                         eu imploro: não me esmagues
                         de aflição,
                         vem a mim agora – como certa vez
                         ouviste meu longínquo lamento, e cedeste,
                         e te ausentaste furtivamente da
                         casa de teu pai
                         para jungir pássaros em tua áurea
                         carruagem, e vieste. Vistosos pardais
                         trouxeram-te ligeira para
                         a sombria terra,
                         suas asas vergastando o médio céu.
                         Feliz, com lábios perenes, sorriste;
                         “O que há de errado, Safo, por que me
                         chamaste?
                         O que deseja o teu tresloucado coração?
                         Quem deverei fazer amar-te?
                         Qual delas voltou as costas a ti?
                         Deixa que ela fuja, logo virá atrás de ti;
                         Recusei dela os favores; e logo serão teus.
                         Ela te amará, ainda que não saiba nem queira”.
                         Vinde pois a mim agora e liberta-me
                         de espantosa agonia. Labora
                         por meu tresloucado coração. E sê
                         de mim aliada. 

Até hoje estudiosos buscam justificativas para crer que a poeta fosse ‘lésbica', termo que revela o vínculo com a ilha de Lesbos, local onde vivia. O emprego da palavra ‘lésbica' teve uso em 1890 pela primeira vez; o substantivo lesbianismo é mais antigo, data de 1870. Desde a Antiguidade ninguém chegou a um consenso, não somente porque não há evidências, mas porque Safo viveu em uma era com diferentes noções e tipos de sexualidade.

Com o tempo, não só mudou a opinião sobre a predileção sexual da poeta, como o significado da palavra ‘lésbica' passou por mudança similar. Em primeiro lugar, o termo se referia a uma habitante do sexo feminino da ilha de Lesbos. Do período clássico em diante, conotações eróticas foram associadas ao nome. 

A primeira associação de Lesbos com homossexualidade feminina foi encontrada em tempos romanos, quando o escritor grego Luciano declarou: “dizem que algumas mulheres em Lesbos com rostos como os dos homens, e que não se dispõem a desposar homens, mas apenas mulheres, como se elas mesmas fossem homens”.

Das informações que temos sobre a vida de Safo, constam os fragmentos de seus cantos e os ‘testimonia ', conjunto de textos sobre seus escritos, reunidos a partir das obras de vários autores clássicos. O contexto histórico sobre a época em que viveu também ajuda na compreensão sobre sua vida e obra. Uma edição erudita de seus poemas contém fragmentos de textos e citações de diversos autores, entre eles, hinos rituais, sátiras, cantos nupciais, um fragmento épico e cantos sobre a beleza de garotas.

Foi principalmente por causa dos cantos sobre as jovens que surgiu a suposição de que Safo era ‘lésbica'. Entre esses escritos constam os cantos que se referem às mulheres que abandonaram a poeta contra a sua vontade ou com seu consentimento, talvez para se casarem. Há também os cantos em que ela se refere a uma garota que ainda está junto dela. Não se dirigem a pessoa específica e poderiam ter sido recitados em oportunidades diversas e até por poetas diferentes. E não há traço de amor físico em sua poesia.

A fonte mais detalhada sobre Safo é do poeta latino Ovídio, com um poema que assume a forma de uma carta que Safo teria supostamente escrito, dirigida a Fáon, um barqueiro de Mitilene, por quem ela diz estar apaixonada. Esse amor a leva a cometer suicídio, saltando de um rochedo em direção ao mar. Também consta na mesma carta o ‘amor' de Safo pelas mulheres: 

“Nem as garotas de Pirra ou Metimna me deleitam, nem o resto da multidão de mulheres lésbias. Nada é para mim Anactória, nada a bela Cidro; Átide não mais me apraz aos olhos, como antes, nem uma centena de outras a quem amei, não sei reprovação. Homem desavergonhado, o que outrora pertenceu a muitas garotas, agora é só teu.”

Esse texto é a mais provável origem da reputação de Safo como ‘lésbica' e mais famoso que qualquer coisa escrita sobre a poeta, inclusive seus próprios poemas. Mas o caso de amor da poeta com Fáon pode ser baseado em leitura errônea de sua poesia, já que Fáon foi uma figura mitológica, estava entre os amados de Afrodite, como Adônis

Como Safo escreveu cantos sobre o amor de Afrodite por eles, pode ser que ela tenha escrito uma confissão de amor da deusa por Fáon e foi interpretado mais tarde como sendo sua própria confissão.
Estudiosos esmiuçaram seus textos e, em um deles, o fragmento 94, Safo menciona seu próprio nome. Ela se dirige a uma garota que a abandonou e recorda o que fizeram juntas, como vestir roupas, usar perfumes, tecer grinaldas e passar o tempo em santuários. 

Os versos ‘e sobre leitos macios... você satisfaria seu anseio... 'são os que fazem imaginar pelo que a garota ansiava. Não exclui uma interpretação erótica, mas não dá para afirmar o contrário, afinal, por que ela não poderia ansiar por outras coisas, além de sexo? Podemos nos perguntar até onde os sentimentos expressos na sua poesia podem ser considerados pessoais. Mesmo que alguns cantos pareçam ter conteúdo homoerótico, não dá para afirmar que a poeta fosse lésbica.

Solange Firmino

Leia o texto em Blocos online.


sábado, abril 02, 2011

Dríope


Narrativas sobre metamorfoses já ocorriam nos poemas homéricos, como a transfiguração dos companheiros de Ulisses  em porcos pela feiticeira Circe. Na obra “Metamorfoses”, de Ovídio, os deuses se transformam em humanos e, desse modo, provam a superioridade diante dos mortais e realizam seus próprios desejos.

Zeus utilizava a metamorfose  como disfarce para suas aventuras ou para se aproximar de mortais e deusas. Ele se mostrou a Dânae como chuva de ouro e teve com ela o herói Perseu. Com Leda, rainha de Esparta, foi em forma de Cisne, e tiveram os gêmeos  Castor e Pólux; Clitemnestra  e Helena. Assumiu a aparência do marido de Alcmena e nasceu Hércules. Sob a forma de Ártemis, amou Calisto, ninfa  que acompanhava a deusa. Raptou Europa  na forma de touro e teve com ela Minos, Radamante e Sarpédon. Diante de Hera, a legítima esposa, aproximou-se disfarçado de cuco e se abrigou em seu colo durante uma tempestade. Os dois tiveram Ares, Hebe e Ilítia. 

(...)

Solange Firmino


Leia o texto completo na coluna Mito em Contexto, em Blocos online.