segunda-feira, janeiro 30, 2006

Autopseudobiografia












"O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
[Fernando Pessoa – Autopsicografia]


Finjo
um ventre exposto
para que palavras
me fecundem

Finjo
que me rendo
aos versos
como abrigo para
o eterno

Finjo
que dói
achar no espelho
cansaço e inquietude

Finjo
que ajeito
flores despencadas
cortinas tortas
travesseiros
gavetas

Finjo
que finjo
qualquer fingimento
e não mando flores
para mim mesma

Solange Firmino

sábado, janeiro 28, 2006

Fotografia

Eu em 2000


O que vai ficar na fotografia
São os laços invisíveis que havia.
[Composição: Leoni e Léo Jaime]


Fotografia 


Bolor de memória

nas imagens

Instante esculpido

na dimensão plana

quase apagada

do papel

um pedaço de mim

em gesto de estátua

fragmentos do passado

nas pessoas que me espreitam

ausentes

quase vivas


muitas ainda em preto e branco


Mistério do tempo parado

pela luz

No futuro

quem sabe

serei outra imagem

holográfica ou megapixels

talvez até mais duradoura

quem sabe fixa, para sempre


Solange Firmino

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Caminhos


caminhos são vários
caminhos são passos

sem fim ou começo

permitem

retorno
desvio
tropeço

Solange Firmino

Equilíbrio



Labirinto
é para se perder
no meio das rotas
tortas
ou
retas

Bom é achar
abrigos
caminhos
portas
destinos

Ideal
é transcendê-lo
em vôo
como Dédalo

Não tão perto
do sol
como Ícaro

Labirinto é
para achar
o caminho
do meio

Solange Firmino

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Para onde você olha?

Para onde você olha?

No penúltimo texto da coluna Orkultural, falei sobre aproveitar o tempo (Carpe diem) e harmonizar Cronos e Kairos - o tempo do relógio e o tempo vivido.
No último texto, abordei a idéia de fim ou começo e nossa posição sem tempo definido no calendário.

Grandes pensadores, em várias áreas do conhecimento e em diferentes épocas tentaram entender o tempo. Ontem, hoje, amanhã, presente, passado e futuro sempre foram questões abordadas em seus aspectos cronológicos, existenciais, reais ou imaginários.

Como conservar o tempo? Que tempo é real e concreto? O tempo que passou ficou guardado em algum lugar? É possível viajar no tempo? Não sei. Mas muito se fala em aproveitar o dia que logicamente parece ser mais “palpável”, o presente. Aproveitar somente o dia de hoje pode parecer simples, mas o presente está entre o passado e o futuro, duas faces – uma que nós conhecemos, porque foi vivida e outra que não conhecemos, com todas as suas possibilidades.

Passado e futuro são duas fases no ritmo de nossas vidas, assim como tantos outros símbolos que representam a dualidade: novo e velho, dentro e fora, bonito e feio, feminino e masculino, yin e yang, etc. A dualidade também está simbolizada nas faces de Janus, divindade romana de aparência bifronte, com uma face voltada para o passado e outra para o futuro.

Na Antigüidade, muitas cidades tinham fortificações com portas nas entradas. Janus era adorado como o Senhor dos Inícios e como protetor das Portas e Passagens. Ele era o porteiro celestial e suas faces representavam o término e o começo, o passado e o futuro. Era responsável, portanto, pela abertura das portas do ano que iniciava. E toda porta se volta para dois lados...

Na origem do nosso calendário há homenagens a diversos deuses romanos. O mês de março origina-se do culto a Marte, deus romano da guerra. Janeiro era consagrado a Janus que, por ter duas faces, podia olhar ao mesmo tempo os dois anos, aquele que terminara e aquele que estava começando.

Sabemos que o passado tem tradições, mas também tem perdas. O futuro tem possibilidades, mas os riscos são desconhecidos. O que Janus pode nos ensinar é como voltar a face para os dois lados.

Aproveitemos que ainda estamos em janeiro e olhemos para os dois lados. Que possamos aprender com a vivência do caminho já trilhado a compreender melhor o presente e, por conseqüência, caminhar de modo mais lúcido para o futuro.

Solange Firmino

*Figura: representação de Janus.

Publicado na coluna Orkultural n° 10, janeiro de 2006.


segunda-feira, janeiro 09, 2006

O que você está ouvindo?



* Artigo escrito para a coluna Orkultural de novembro de 2005 em Blocosonline.

O que você está ouvindo?

Não, esse título não é uma brincadeira com o nome da comunidade anunciada na coluna Orkultural de 8 de novembro, “O que você está lendo?“. Também não é sobre uma comunidade de música.

Alguém já fez essa pergunta a você querendo saber que livro você está ouvindo? O livro para ser ouvido não é novidade. Há poucos anos, podia-se aprender inglês ouvindo fita cassete ou ouvir histórias infantis em disquinhos coloridos. E já tem tempo também que são disponibilizados arquivos em áudio para deficientes visuais.

O que é novidade é a popularidade que o livro para ser ouvido vem ganhando com o tempo e atualmente há editoras e páginas na internet especializadas na venda desses chamados áudio-livros.

Aproveitando as tecnologias atuais de compactação de arquivos, o áudio-livro, em formato mp3, ocupa até 12 vezes menos memória que outros formatos. E ainda há a garantia de um som limpo, bem diferente das fitas e minidiscos.

Há um sistema de download com código específico criado para cada cliente e cada livro. Com o código, o cliente pode fazer o download, isto é, baixar o arquivo de áudio, onde e quando preferir. Há também a possibilidade de gravar os arquivos em CD ou copiar para os dispositivos de áudio portáteis pra ouvir quando quiser.

A grande idéia para vender o livro é que você pode “ler” enquanto faz outras coisas, diferente do livro convencional. Afinal, é bem difícil ler um livro enquanto está dirigindo, lavando louça ou levando o cachorro pra passear, não é?

Em uma propaganda, lê-se o seguinte: “...é possível completar a sua cultura geral, aprender uma técnica particular, estudar um assunto específico, se divertir ou simplesmente sonhar escutando uma história. “ Há disponíveis livros de auto-ajuda, filosofia, história, aprendizado de línguas estrangeiras e muitos outros gêneros, atingindo o grande público.

Rubem Alves disse, em uma entrevista sobre o lançamento de sua obra em áudio, que “nossos ouvidos também são Instrumentos para ler o mundo.” Conta também que recebeu carta de uma deficiente visual sugerindo a venda de seus livros em formato digitalizados, podendo assim chegar a mais pessoas.

Claro que não a todas as pessoas, pois tem sempre aquelas que não gostam das novidades, que não usam máquinas digitais, celulares e outras coisas que os avanços tecnológicos proporcionam.

Tudo bem, o livro de papel não está ameaçado de ser substituído pelo livro eletrônico, e não podemos negar a utilidade do áudio-livro.

Depois de ler isso, será que você vai correndo ser o primeiro a abrir a comunidade “Que livro você está ouvindo?”

Solange Firmino

domingo, janeiro 08, 2006

Fim ou começo? Ou o começo do fim?

Estamos no início de mais um ano. E se você está lendo esse texto, sobreviveu a mais uma página no calendário. Certamente, não teve medo do Apocalipse depois de meia-noite. Após várias modificações nos calendários através dos séculos, e com o atual horário de verão, fica difícil ainda temer a passagem de 31 de dezembro para primeiro de janeiro. O último dia pode ser qualquer um, afinal, nem sabemos a qual calendário o Dia do Juízo Final obedecerá.

Recebi dezenas de mensagens desejando “Feliz Ano Novo”, mas nenhuma falou do medo do fim, apenas da alegria do novo começo. Antes do ano 2000, muito se escreveu sobre o fim dos tempos ou Apocalipse, e até sobre um bug do milênio, que nem aconteceu... Sobre o fim do mundo de verdade, não saberemos, se for mesmo o fim.

A literatura registrou vários fins, como o fim de Constantinopla, da Biblioteca de Alexandria e da Primeira Guerra Mundial. Sobre o fim do século XX muito se escreveu, parecia fatídico, cheio de previsões assustadoras.
Agora, parece que somos imortais, ninguém faz lista do que faria se fosse o último dia.

Meu amor o que você faria?
Se só te restasse esse dia
Se O mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?
[Composição de Lenine e Paulinho Moska]

A música acima foi muito cantada no fim do milênio. E muitos filmes trataram do tema do fim do mundo, mas sempre teve um mocinho salvando a nossa pele. Além das previsões religiosas, muitos estudiosos fazem seus cálculos e hipóteses de quando será o fim da terra.

Na década de 80, Carl Sagan produziu a série Cosmos e sempre alertou sobre o maior perigo, a autodestruição – nem precisamos de profecias para saber que o que fazemos ao planeta no dia a dia está nos destruindo.
Sempre achei Carl Sagan esperançoso de que nós ainda poderíamos salvar o planeta do fim trágico.

Contrariando as idéias de Sagan, o filósofo John Gray defende em seu livro, Cachorros de Palha, a tese de que a humanidade está enganada se acredita que ocupa um lugar destacado no Universo. Pior, diz que não podemos controlar nosso destino nem somos capazes de construir um mundo melhor.

Não sei quem está certo, mas o futuro não parece muito promissor com as hipóteses de guerra nuclear, os buracos na camada de Ozônio, o excesso de população e a falta de recursos e o superaquecimento do sol.

Enfim, centenas de motivos, naturais ou provocados por nós, podem levar ao fim tudo o que conhecemos como real. O mundo será dominado pelas máquinas? Descobriremos uma Matrix? Ou tudo não passa de ficção científica e logo teremos paz?

Podemos começar “ontem” a fazer as coisas certas e manter o que ainda resta no planeta. Mas que seja antes de o sol explodir e reduzir tudo a cinzas.

Solange Firmino

* Leia esta crônica e dicas do mundo do Orkut na coluna Orkultural de Chris Herrmann em Blocos online.