sexta-feira, janeiro 28, 2022

Linhagem

 


[Para Manoel e Vanda, meus pais]

Sou metade de cada um dos meus pais.
Ao acaso, mais um rosto na Terra.
Essa história não está nos livros.
Pronuncio a palavra no colo deles,
sempre serei menina.

A idade já chegou para nós três,
temos rugas.
Entretanto, emito um verbo que nos eterniza:
arvorejar.
Criaremos galhos entre as árvores do antigo quintal;
iremos dançando uma cantiga de roda
de volta à era dos fósseis,
de geração em geração.

Nossa herança permanecerá
sem precisar de sobrenome.


Solange Firmino


No livro "Quando dor acabar", da Caravana Grupo Editorial.
Para adquiri-lo em pré-venda, acesse:

https://caravanagrupoeditorial.com.br/produto/quando-a-dor-acabar/

📸 Eu e meus pais, anos 70.

sábado, janeiro 22, 2022

Quando a dor acabar - Pré-lançamento

 


PRÉ-LANÇAMENTO

"Solange Firmino escreveu um livro que festeja o tempo na tensão entre esperança e desolação, fluidez e permanência. Em Quando a dor acabar, acontece a apropriação da ambiguidade na necessária constatação pelo imaterial. Muitas são as questões que seu trabalho levanta, mas talvez a espinha dorsal da presente trama imagética seja a solidão engasgada na garganta poemática da poeta, dando aos versos a longitude imprecisa que impede qualquer alusão à absoluta estabilidade. É uma solidão atravessada por muitas dimensões, e o permanente está no que muda, assim como a mudança só acontece porque perdura, como aponta o verso 'sou permanente / mas estou de passagem'. Há aqui o rearranjo de alguns lugares que seriam comuns se não passassem pela leitura da autora: 'o poema vai morrer em frases comuns / como as gotas que compõem as chuvas / e as geografias dos desertos'. Engana-se quem se restringe a perceber nesses versos a trivialidade do fim, pois a questão que se levanta é a da unidade (o 'tudo é um' de Heráclito). Ainda na trilha dos rearranjos, lemos 'assim, desisto do texto original' e é possível dizer que não há abandono pela desistência, mas a assunção da impossibilidade de se firmar um lugar, pois o texto original é este que a cada instante se oculta no que tentamos enxergar. Este livro é um exercício diário de existência, da percepção do fim como princípio, da morte como tensão (não restrita à extinção material), bem como nos diz o poema Sépia: 'faz um silêncio tão grande / quanto as mãos num copo vazio'."
 
Fábio Pessanha *

Fábio Pessanha é poeta, doutor em Teoria Literária e mestre em Poética, ambos pela UFRJ. Publicou ensaios sobre sua pesquisa a respeito do sentido poético das palavras, partindo principalmente das obras de Manoel de Barros, Paulo Leminski e Virgílio de Lemos. É autor também de A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos (Tempo Brasileiro, 2013) e coorganizador de Poética e Diálogo: Caminhos de Pensamento (Tempo Brasileiro, 2011). Assina a coluna “palavra: alucinógeno”, na Revista Vício Velho, onde desenvolve um trabalho de escrita performática, com a incorporação de poemas. Portanto, segue a orientação de Manoel de Barros, quando este dizia que os poemas não devem ser compreendidos, mas incorporados. Também tem poemas publicados em diversas revistas eletrônicas.




terça-feira, janeiro 18, 2022

Réquiem para Van Gogh



Pulsava a vida no céu do artista
que pintava o mundo
com a brutalidade das cores quentes
perdido em sua ausência peculiar

pincelava campos verdes e amarelos
ventos carregados de fuligens
com uma pitada de corvos no céu

no poente
pássaros levavam solidões e asas
para os confins

pesavam nas pálpebras dos autorretratos
a idade e o fado

Solange Firmino



No livro "Diante das marés", da Caravana Grupo Editorial.



Foto por mim, no Aterro do Flamengo - Rio de Janeiro, em dezembro de 2021.

sábado, janeiro 08, 2022

Conjugação do tempo

 


O futuro é o que será
sempre a um passo de acontecer
nascido na véspera
um suspiro que vai chegar

o futuro é um presente que precisa ser outro
para ser ele mesmo
o futuro se desconhece
ao mesmo tempo em que se desgasta
quando muito se espera

no último suspiro
quando nada mais houver para ser escrito
dito ou vivido
o futuro vira pretérito

mas antes
move o presente
e nos faz ser quem somos agora

futuro
destino de ser passado

Solange Firmino


*No livro Diante das marés.