sexta-feira, novembro 25, 2011

O Saturno Latino


Saturno foi um deus adorado entre os latinos com célebres festas, denominadas Saturnalia ou Saturnais. Saturnus era um antigo deus itálico, anterior à chegada dos Indo-Europeus, que competiu com Líber como divindade da vegetação. Líber acabou se fundindo com o deus Bacchus, de procedência grega, e Saturnus continuou como o deus da semeadura e da vegetação. Etimologicamente, Saturnus provém do adjetivo 'satur', que significa cheio, farto, nutrido, e este provém do verbo saturare, que significa saciar, fartar, saturar, de acordo com sua função de deus da abundância.

Conforme o mito, depois que Zeus destronou Crono, este se refugiou na Ausônia, nome poético da Itália, onde recebeu o nome de Saturno. A Itália teve sua idade de ouro após a chegada de Saturno, quando a terra produzia tudo abundantemente, sem trabalho. O poeta latino Públio Ovídio Nasão narrou em suas Metamorfoses que reinavam a paz, a concórdia, a fraternidade, a igualdade e a liberdade, fazendo de Saturno o herói civilizador, aquele que ensinou a cultura da terra, da paz e da justiça.

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Solange Firmino

Leia o texto completo na coluna Mito em Contexto, em Blocos online.

Imagem: Saturnalia.

segunda-feira, novembro 21, 2011

sábado, novembro 12, 2011

O poeta que aprendeu a morrer



A morte traz à tona a vida. Se alguém tiver certeza de que vai morrer daqui a um mês, tentará realizar seus desejos imediatamente e viverá intensamente cada minuto. Mas vivemos como se não soubéssemos da nossa morte. Manuel Bandeira (1886-1968), um dos maiores representantes da poesia modernista, viveu se preparando para a morte. Ele não a desejava, como disse no poema 'Belo Belo': "Tenho tudo que não quero/ Não tenho nada que quero/ Não quero óculos nem tosse"

O poeta esperou morrer jovem devido a "uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado". O doutor sugeriu "tocar um tango argentino" como única solução, no poema 'Pneumotórax', mas a "indesejada das gentes" só veio buscá-lo aos 82 anos, de parada cardíaca, e não de tuberculose.

A ideia da morte iminente inspirou versos que falavam da "vida que poderia ter sido e que não foi". A poesia era sua "vida verdadeira" e ele queria apenas "a delícia de poder sentir as coisas mais simples". A convivência com a doença permitiu ao poeta um trabalho intenso de (re)construção da sua identidade, desde as formas de lidar com a doença até o desenvolvimento das variadas temáticas e formas poéticas. 

A percepção do "mau destino que fez o que quis com o menino bem-nascido" fez com que ele sonhasse com um lugar onde pudesse viver sem as limitações que a doença trazia. Assim, de todas as viagens que fez, os melhores lugares foram os inventados, como indicam os versos do poema 'Testamento': "Vi terras da minha terra./ Por outras terras andei./ Mas o que ficou marcado/ No meu olhar fatigado,/ Foram terras que inventei" .

Sua maior façanha foi trazer a antiga capital da Pérsia para o reino da poesia. Pasárgada tornou-se sua maior metáfora, seu melhor refúgio na imaginação, onde "a existência era uma aventura" e ele podia subir em pau-de-sebo, andar de bicicleta e ser amigo do rei. Principalmente onde podia praticar o epicurismo e os prazeres que a doença não permitiu na real vida estoica, como deitar com a mulher que escolhesse.

Os seguidores do estoicismo aconselhavam viver em obediência à lei natural da vida, aceitando com serenidade a ideia da morte. O filósofo estoico Sêneca dizia que devemos saber morrer para viver, que viver é aprender a morrer. Manuel Bandeira aprendeu a morrer através da poesia da vida. As lições diárias foram com as estrelas e a noite, seus temas constantes, ou com o avião que partia sem medo, no poema 'Lua Nova': "Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir". O rio que corre ensinou a serenidade diante do destino imutável que teria em breve: "Ser como o rio que deflui/ Silencioso dentro da noite. / Não temer as trevas da noite. / Se há estrelas no céu, refleti-las".

Aprendeu as sutilezas da beleza em 'Madrigal melancólico': "E a beleza é triste./ Não é triste em si,/ Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza". Em 'O último poema', percebe que que há beleza também "nas flores quase sem perfume". Em 'Renúncia', mais uma vez demonstrou que estava aprendendo a aceitar a morte, "Procura curtir sem queixa o mal que te crucia", "Sofre sereno e de alma sobranceira... tua desgraça" .

Ele estava pronto para morrer quando percebeu que a morte é também um milagre da vida. O poema 'Preparação para a morte' é o resultado desse aprendizado. Nele, diz que a vida era um milagre. Flor, pássaro, espaço, tempo, memória e consciência. TUDO era milagre para o poeta. Finalmente, admite: "- Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres" .

Manuel Bandeira viveu longos anos aprendendo a morrer. E quando a morte "dura ou caroável" chegou, tudo devia estar no lugar, como diz em 'Consoada': “Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,/ A mesa posta,/ Com cada coisa em seu lugar”.

Solange Firmino 

Imagem: Manuel Bandeira, de Portinari.