sexta-feira, dezembro 25, 2020

Confidência

 


Sou outra ao viver

eu que não me pertenço
me crio e me multiplico
entre muros e passos
na virgindade perpétua dos dias
nunca houve uma igual a mim
como hoje

Solange Firmino

quarta-feira, dezembro 16, 2020

Depois da chuva


 “Porque eis que passou o inverno;

a CHUVA cessou, e se foi.
Aparecem as FLORES na terra,
o tempo de cantar chega,
e a voz da rola ouve-se em nossa terra.
A figueira já deu os seus figos verdes,
e as vides em flor exalam o seu aroma;
levanta-te, meu amor, formosa minha, e vem.”

(Cânticos, 2:11-13, ACF)


*Rosa do meu jardim

quinta-feira, dezembro 10, 2020

Cubista



Meus labirintos se bifurcam 

em mosaicos internos
passagens secretas que procuro
sem saber onde me perdi
como entrelinhas em um texto
cato cacos e me refaço 
em palavras-átomos diárias: 
colo e abandono
muro e ponte
rabisco e tatuagem
prece e ceticismo
anarquia e estoicismo

confusa
mas real

Solange Firmino

terça-feira, dezembro 01, 2020

Das estações


Fala em segredo para mim seu nome.
Em que sábado você mora?
Nas aspas do poema ou em qualquer noite de lua?
Em dia de sol com sombra
ou no inverno inteiro à espera
da primavera?

Aquelas flores caídas do mês de setembro
são metáforas da vida breve.
Eu me refugio no fruto maduro.
Sou milenar em cada gesto
e me rasgo em cada palavra que brota do céu
descoberto, infinito, imenso.

Então o fruto de outono
também acaba?

Solange Firmino 


O poeta Marcelo de Brito Steil fez um poema sobre esse poema, que ponho abaixo:


terça-feira, novembro 24, 2020

Ferreira Gullar na ABL

 


24.11.2010 (10 anos atrás!) Ferreira Gullar autografando 'meu livro' dele “Em alguma parte alguma”.

A Secretaria Municipal de Educação premiou naquele dia, alunos e professores do projeto Poesia na Escola, do Programa "Rio, Uma Cidade de Leitores".

A cerimônia foi na Academia Brasileira de Letras com a presença dos poetas Ferreira Gullar e Ivan Junqueira. Gullar recebeu uma homenagem lítero-musical emocionante.

O projeto incluiu a edição de duas coletâneas com os poemas
selecionados pela SME: uma com poemas de alunos e outra com poemas de funcionários da rede e professores (2 poemas meus).

sábado, novembro 21, 2020

Vídeos de novembro


Haiku a Crono

 

El tiempo tiene miedo

de también ser tragado

por eso devora


Solange Firmino


Tradução e leitura: Cilene Firmino Savioli






(Re)verso


Possuída de desordem
escrevi os silêncios
que resgatei da memória.
Por um instante,
acreditei ser eterna.
Acordei fazendo versos.
Profanei metáforas.
Queria semear sílabas perfeitas.
Inesperadamente,
sangrei o inverossímil poema,
decepei minhas rimas preferidas.
Para desespero
dos sinos que dobravam.


Solange Firmino

Interpretação: Fernando Grecco - cantor lírico do Teatro Municipal de São Paulo desde 1992 e diretor da Cia. Ópera do Mendigo de teatro e música (SP): 


https://www.youtube.com/watch?v=GqTDyKtgFZc







A série "Um Poema, Uma Canção", criada durante a quarentena (Covid-19) por Fernando Grecco e José Palomares (Cia. Ópera do Mendigo / Coral Paulistano /Teatro Municipal de São Paulo), associa sempre um poema e uma canção em um vídeo. 

O meu poema “Esfinge” está associado a um trecho da semi-ópera O Rei Arthur, de Henry Purcell (barroco inglês). Aqui, duas alucinações em forma de sereias, criadas pelo “mago do mal”, tentam desviar Arthur do caminho, em sua tentativa de resgatar sua amada Guinevere das mãos do rei inimigo.

ESFINGE

Decifra meu enigma
e toda a verdade,
toda a essência
por trás do verso.

Segue pela trilha do meu corpo
e revela a paisagem escondida.
Repousa sem tédio no meu abraço.
Implora pelo princípio e fim
de cada ato.

Descobre o segredo que habita
onde me esquivo,
onde a pergunta é só disfarce,
reverso.

Se me escondo,
é para devorar melhor.


Solange Firmino


https://www.youtube.com/watch?v=1K6wUZtS26k





sábado, novembro 14, 2020

Insônia

 


A solidão do Céu não cabe nesse verso.

A noite escura sem lua
permeia tudo quanto é distante e solitário.

O céu mudo sopra as palavras que recolho em sua queda:
cacos abstratos dos quais invento minha própria noite.

Invoco, em meio à neblina,        
um canto manso que traduza meu existir em expansão.
O ventre do universo se expande no deserto da noite.

Contraio-me na luz inversa que me recompõe ao dia
para soletrar mais tarde meu cansaço.
Para onde vão os versos não escritos?

Solange Firmino 

sexta-feira, outubro 30, 2020

(Re)verso

 


Possuída de desordem,

escrevi os silêncios
que resgatei da memória.
Por um instante,
acreditei ser eterna.

Acordei fazendo versos.
Profanei metáforas.
Queria semear sílabas perfeitas.
Inesperadamente,
sangrei o inverossímil poema,
decepei minhas rimas preferidas.
Para desespero
dos sinos que dobravam.

Solange Firmino


*Foto: Eu em frente ao Templo de Dendur - Metropolitan Museum of Art - New York

segunda-feira, outubro 12, 2020

Dia da criança

 



Trago dentro de mim

ondas que se quebram
em um mar intranquilo.
Dispo-me,
semente e parto.
Lúcida,
como quem adia o voo.
Não quero ir ao sabor do vento,
adquiro um astrolábio
e parto em busca dos outonos
do mundo.
Não é tempo de morrer.
Protege minha fuga.

Solange Firmino 

terça-feira, outubro 06, 2020

Travessias

 


O tempo atravessa o mundo,
avança pelos detritos,
rasga o espaço e chora no ombro da noite
seu cansaço de insônia.

O tempo atravessa o mistério
das perguntas gastas
e o meu coração que bate fértil e materno.

O tempo atravessa a solidão humana,
tão indizível que nem cabe no verso.
Que é deserta e sem nome, insone e surda

O tempo
Em seu nascer-morrer sem fim nem começo,
atravessa o sol de outono
e o azul e frágil céu dos deuses.

Os deuses atravessam o tempo
e as fronteiras nuas das estrelas.

Ei-los, obscenos,
criando o Homem e o Universo.

Solange Firmino 


*Lua vista da minha janela em 02/10/2020

segunda-feira, setembro 28, 2020

Completude

 



Com medo do precipício
eu brinquei de ser outra.
Mesmo assim, tu me habitaste,
chamaste meu nome.

Lá onde começo e termino meu dia,
a fonte e a sede misturadas,
a onda e a chuva dentro delas me fizeram
descobrir meu solo.

O tempo que não envelhece
coabita comigo.
Assim encontrei a mim mesma.

Solange Firmino

terça-feira, setembro 22, 2020

Primavera

 

Flor do meu jardim

É preciso transgredir a distração da flor em gestação,
tocá-la infinitamente,
sorver-lhe o perfume,
soprar a gota de orvalho pousada em cada cor,
inventar um arco-íris
pelas arestas do vento,
abrir caminhos para a primavera.

A sombra se faz luz,
o inverno se desfolha.
Como se existisse um tempo das estações,
a primavera dá sinais,
despida das névoas,
como se fosse a primeira vez.


Solange Firmino

segunda-feira, setembro 21, 2020

Dia da árvore - 2 árvores, 2 poemas

 

Rua Arthur Bernardes - Catete - RJ

Resisto e sobrevivo
entre o desejo e a fúria,
no caminho novo
de cada dia finito.
Algo me chama no relógio,
chama viva que reclama um novo dia.

Choro, fujo, reclamo,
mas tenho de ressurgir
nos pedaços de tempo
soltos nas cinzas.

Solange Firmino




                                                           Floresta Amazônica, Pará - PA

Aqui o silêncio circunda
as testemunhas verdes
das florestas paraenses

mas podia ser em qualquer lugar
que tivesse árvore

qualquer lugar pode ficar sem paisagem
desde que tenha um ser humano

Solange Firmino


 

sábado, setembro 12, 2020

Alvoroço


Logo serei rochedo nessa hora sempre igual.
Conheço de cor o silêncio nômade,
aprendi a amar meu destino
e soletrar o que procuro.
Carrego nos ombros
o fim e o começo do mundo.
Meu mapa do tesouro
tem a validade do tempo preso à eternidade.
Nunca antecipei o futuro.

Solange Firmino


*Fotografia: Ilha de Paquetá - Rio de Janeiro 

sexta-feira, setembro 04, 2020

Praia do Paraíso

 


Sem demora, invento um barco

que vem no ritmo das marés
Nos rios rasos
há peixes que regressam à tona
mas me demoro com
o destino inventado
esperando outros azuis
Quero a paisagem sem relâmpago
gestos e passos sem âncora
Lutarei como sou


Solange Firmino


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Praia do Paraíso - Mosqueiro, Pará. 
A ilha do Mosqueiro é um distrito de Belém, uma ilha fluvial na costa
oriental do rio Pará, um braço sul do rio Amazonas, em frente à baía
do Marajó.
Possui 17 km de praias de água doce (e morninhas!) com movimento de maré.

segunda-feira, agosto 31, 2020

Devagar



Coleciono asas,
mas nenhuma me pertence.
Guardo-as para um
possível mergulho,
Impossíveis aventuras me sufocam,
apesar da rebeldia.
Juro que nunca quis ser a princesa
dos contos de fada.
Não sou ilha pronta para abarcar.

Então nos meus olhos
recapitulo a coreografia dos ventos;
transcrevo as linhas do deserto
para a pátria.
 
Vou devagar, no encalço arriscado
das aves que voam alto,
em busca da Terra Prometida.
Melhor morrer de cansaço que de solidão.

Solange Firmino

* Foto: Teotihuacán - México

segunda-feira, agosto 24, 2020

Já é quase setembro!

Um poema-deserto
encontra um oásis
no setembro florido

Descobre cores
olores
e o silêncio da semente
rasgando o ventre
da estação repetida

Um poema-fruto
brota nas rugas
do tempo cíclico

Solange Firmino


* Foto da minha irmã Sulla Mino, cidade de Dreiech, Alemanha. Em 16.08.2020

terça-feira, agosto 18, 2020

Mantra

 

O som da palavra
imperecível
essência de palavra
jamais pronunciada
no casulo
despalavra

Solange Firmino 

segunda-feira, agosto 10, 2020

Odisseia II

Sei que me demoro
entre idas e vindas
Sem bússola
cruzo caminhos agitados
de ventos fustigantes

Peregrino nas tempestades
naufrago aqui e ali
mas aprendi a fugir
do (en)canto da Sereia

Busco um porto em ilha intacta
de vez em quando
no poente
de norte a sul
como um sábado de outono

Solange Firmino



*Imagem: Victor Nizovtsev

terça-feira, agosto 04, 2020

Tentando desvelar os tons

Em agosto de 2018 foi publicada uma resenha que escrevi sobre o romance “Borboleta - a menina que lia poesia”, da amiga e escritora Chris Herrmann, no site dela e em alguns outros, como o da Mallarmargens, onde também tenho publicações, aqui
Na época eu não postei o texto em nenhum lugar. Agora, dois anos depois, vou postar aqui o link da Mallarmargens:

sexta-feira, julho 24, 2020

Quem me desafia é a vida!


Não, ninguém me fez 
nenhum desafio 
quem impõe todos os dias 
é a vida
vivê-la até o sumo 
da dor 
do prazer 
do vício 
senão 
ela me leva

Solange Firmino 

23/07/2020

Para a poeta Carla Andrade, que sofre de Fibromialgia, e também para mim, que tenho um tumor no cérebro. E para todas as pessoas que se sentem desafiadas pela vida.

* Tenho visto nos últimos dias muitas fotos em P&B no Instagram com a hashtag "desafio aceito" e resolvi pesquisar. Descobri que:


- é enviado por uma mensagem no inbox de uma mulher para a outra com o pedido: "Tive o cuidado de escolher quem eu acho que vai cumprir com o desafio, mas sobretudo quem conheço que partilha esse tipo de pensamento, entre mulheres existem várias críticas; ao invés disso devíamos cuidar umas das outras. 

Somos lindas do jeito que somos. Publique uma foto sozinha em preto e branco, escrito "desafio aceito" e me mencione. Identifique 9 mulheres para fazer o mesmo, no privado.

Depois disso, as nove mulheres escolhidas devem postar uma foto em preto e branco com a hashtag do desafio. 



Consequentemente, esta mulher também enviará o desafio para outras nove amigas e assim estimulam elas a fazerem o mesmo.

domingo, julho 19, 2020

Boletim da Graça Pires no Alguma Poesia

"...Os meus olhos, é certo, já não têm
a mesma cor que tinham na infância.
Perderam a transparência e o dom
de fitar o sol sem enceguecerem.

Por isso, apenas posso olhar a lua cheia
como fazem os poetas e as bruxas."


Graça Pires

(trecho de "Mulher com chapéu")

* Leiam o maravilhoso Boletim organizado pelo Carlos Machado, aqui em Alguma Poesia.

segunda-feira, julho 13, 2020

VIVA LA VIDA


("Viva la vida" é o nome do último quadro pintado por Frida Kahlo, fiz uma postagem com ele aqui nesse link.)

Museu Frida Khalo ou Casa Azul - Cidade do México. 

Sobre minha cama
de borboletas
no meio da insônia
procuro em vão meu corpo
meus pés exaustos

Em procissão
entram no meu sonho
as cores que amo
os animais
as árvores
as flores

Pintei minha tragédia
de todo jeito
fui dadaísta
surrealista
e nomes que nunca admiti
minha vida foi curta
e dolorosa
mas nunca amei pela metade

Estou livre enfim
para as asas
que me tocam agora*



Solange Firmino



* Referência à frase de Frida Kahlo: “Pés, para que os quero, se tenho asas para voar?” 👣


* Em 13 de julho de 1954 faleceu Frida Kahlo.  

quinta-feira, julho 09, 2020

Espólio


Morri muitas vezes
na infância
mas ainda estou aqui
pois nenhuma vez
foi de morte morrida

Todos os dias sei que
mato a mim mesma
e Samanta
meu outro eu
que não morreu
se escondeu
embaixo da cama
nesse caos
e implora nos retratos antigos
sua sombra
para que possa
se salvar
entre os fragmentos
de sua própria
guerra interior

Solange Firmino
09/07/2020


* Para minha irmã Sulla Mino no seu aniversário

* Samanta é uma personagem que ela matou no fim de um conto.

segunda-feira, julho 06, 2020

Sobre a lápide de Frida Kahlo



Muitos sóis já nasceram e morreram
dia após dia
entre os azuis
verdes
vermelhos
e amarelos
hoje desbotados
da Casa Azul de Frida
A cama com as borboletas
acima de sua cabeça
antes intimidade
agora é peça de museu

Pergunto-me se fazia sol
quando ela se foi
quantas cores se despigmentaram
atônitas
naquele dia
como uma névoa negra

Solange Firmino




Foto: Museu Frida Khalo, também conhecido como Casa Azul - Coyoacán, Cidade do México.

* Em 6 de julho de 1907 comemora-se o nascimento de Frida Kahlo. 

* Para fazer um tour virtual na Casa Azul, entre nesse link.

sexta-feira, julho 03, 2020

Estátua

 No Museo Soumaya, Cidade do México.

(Para "O Pensador", de Auguste Rodin)

Penso em como não fugi
com os pés medrosos
eu tenho medo desse silêncio
em torno de mim
acabei virando
esse corpo imenso
espalhado pelo mundo
e eu nem sábio sou
só quero uma casa
onde possa me acasalar
mas meu corpo é duro
receiam me tocar
aguardarei uma eternidade
nesse castigo
pois nem sangro
encolhido
frio
nu

Solange Firmino



O Pensador é uma das mais famosas esculturas de bronze do escultor francês Auguste Rodin. 

A primeira escultura de "O Pensador" foi terminada em 1902. A original está em Paris, no Museu Rodin.

Mais de vinte cópias da escultura estão em museus em volta do mundo. Algumas das cópias são versões ampliadas da obra original, assim como as esculturas de diferentes proporções.  

Aqui no Brasil, no Instituto Ricardo Brennand na cidade de Recife, há uma versão ampliada da obra.

terça-feira, junho 30, 2020

Manhã de inverno em Copacabana - Rio de Janeiro

Eu de máscara no banco - Copacabana 26-06-2020

Embaixo das árvores
as ricas sombras convidam
pausa matinal

Solange Firmino


(No meu livro "Alguns haicais e mínimos poemas")

domingo, junho 21, 2020

Inverno - haicai

Janela do meu quarto

☁☁☁
As nuvens refletem
branca e espessa neblina
manhã orvalhada

Solange Firmino

sexta-feira, junho 19, 2020

Fim do outono

Foto no meu jardim

Vento leva as folhas
que enfeitam o jardim
lembranças do outono

Solange Firmino

sexta-feira, junho 05, 2020

Dia Mundial do Meio Ambiente



 A plastic ocean - Sony World Photography Awards - 2020 - vencedor da categoria Natureza Morta.🐟

📸 Jorge Reynal (Argentina)

quinta-feira, junho 04, 2020

A solidão é como o vento - Graça Pires

Livro da Graça na minha janela
O livro da Graça Pires chegou num dia nublado e meio chuvoso. Nesse pedaço do meu confinamento, às vezes dá para ver o céu azul:
Vista minha janela
Moro no segundo andar, mas a vista que tenho é dos fundos da parede do Palacete Cornélio, erguido em 1862, e que foi muito maltratado no decorrer das décadas. Está cedido atualmente para uma faculdade de medicina que o deixou em estado de abandono.

Interior Palacete Cornélio, anos atrás
Palacete, anos 50
O meu prédio, de 1934, é aquele duplo ali atrás, o Palacete é esse da frente. Ao lado, que não aparece na foto, fica o Palacete São Joaquim, onde o Papa Francisco fez a Oração do Ângelus na sacada, há poucos anos. Da minha janela até hoje avisto aquela palmeira...
No edifício em frente, do outro lado da rua, morou o escritor brasileiro Mario de Andrade. Nesse bairro onde moro e nessas ruas têm muita história.

Mas vamos voltar ao livro da minha amiga Graça. Gostei de todos, como sempre, mas meu carinho especial vai para o poema abaixo, que tanto achei que combina com a vista da minha janela.


Habitava aquele sítio por engano.
Não era ali o lugar que procurara para viver.
O que o fascinava era o deserto:
a boca viciada pela sede,
o vento ardido no olhar,
a seiva dos cactos infiltrados nas veias.
E, à distância da mão, a linha curva
do poente a incendiar-se de estrelas.
Em momentos da mais magoada solidão,
saem de seus olhos tempestades de areia.
Como se fosse um pranto.
 


Graça Pires


(Em: A solidão é como o vento)