quarta-feira, maio 05, 2021

Presença

Leonid Afremov


Então fiquei assim: nua.
Não que eu tenha tirado a roupa, mas o escudo.
Tua voz espalhou pelo meu corpo naufragado o espanto.
Passiva e equilibrada, 
olhei-me de novo no espelho partido.
Estava oco. 
Sem imagem refletida. 
Nem a velha imagem cubista. Nada.

Naquela noite inventei um amor no meu sonho.
Um amor de frases que li e ouvi, mas nada era meu.
Então abri a concha para ouvir tua voz, 
que vinha de um tempo longe,
de um lugar que não existe, 
entre ferrugem e musgo.

Tua voz trouxe uma canção que falava de amor.
Entre porto e naufrágio, tu procuravas o norte,
embalado pelo (en)canto da tua sereia.
E tu eras também sereia nos meus ouvidos.
Oferecias um ritmo sincero, que entregava o CÉU
e a esperança num canto de amor.

A melodia me tomou para um horizonte que chorava
a solidão nas frestas.
Queria também te resgatar,
mas o manto das estrelas me feria como punhal.
Não me joguei no teu abismo,
mas passeei no teu sonho.
E acordei comovida.

Solange Firmino


* Para a Céu, do blogue Ausente do Céu.

3 comentários:

CÉU disse...

Olá, querida amiga!

Os poetas têm de ser versáteis, e tu o foste sem hesitar e de forma perfeitíssima.
Quem escreve tem quase sempre de tirar o escudo para quem nos lê possa chegar até nós, nem que seja só um pouco, mas o suficiente para tirar suas conclusões.

Há poemas teus que não consigo chegar até ti, talvez por falta de inteligência minha, não sei, mas faço sempre deles uma ideia, que pode não ser aquela que lhe quiseste dar.

Quero agradecer-te tão bonito gesto e tão sensual, embora indireto, poema que mostra bem a tua "PRESENÇA" na escrita. Eu escrevo de forma direta, e tu e a Graça Pires, de forma mais erudita. Já lhe disse algumas vezes que não entendo os poemas que ela tão bem escreve, mas ela responde que isso não interessa. Importa sim aquilo que o poema me transmitiu.

Beijos, um enorme abraço e muito obrigada pelo poema que me dedicaste.

CÉU disse...

Oi, linda amiga!

Deixei comentário no post anterior a esse sobre a imagem, que sendo linda, eu não me queria referir a ela.
Me referia a essa que encima o poema que me dedicaste, e que acho um colosso. Dois corpos tão unidos numa profusão de cores e sabores, que não me atrevo a imaginar.
Felizmente que existem amores desse jeito. Obrigada!

Beijos e bom fim de semana.

A.S. disse...

Olá Solange,
Um excelente poema. Gostei muito!
Nota-se que o teu registo poético está consolidado.
O teu poema sente-se na pele...

Um abraço!