Carlos Machado, editor do Poesia.net, onde estou também, lançou em setembro de 2006 seu primeiro livro de poemas, Pássaro de Vidro. Vale a pena sua leitura.
O tempo é um pássaro de vidro
Ampulheta é gaiola de areia que mantém o tempo-pássaro preso. A digestão do tempo não tem excreções. A engrenagem do tempo não tem segunda dentição. O tempo nos fere como segunda pele. O tempo que nos veste, nos deixa nus. O tempo é folha seca, e folhas secas caem independente da vontade, mesmo assim, o poeta diz:
"desfolho
uma a uma
as pétalas do dia"
O tempo forma nossa realidade. O tempo é objeto de reflexão de historiadores, cientistas e poetas. Desvendar o tempo é desvendar a nós mesmos. Pensar o tempo através de imagens poéticas é dominá-lo de certa forma; mesmo que ele ainda escape como um pássaro em voo, detemos sua natureza, frágil como vidro.
O poeta percebe a sutileza entre igualdade/desigualdade no tempo que dizemos ser único, mas temos dúvidas, porque repetimos incansavelmente a realidade junto com os ponteiros do relógio:
"não dormes:
teu único
repouso
é descobrir-te
em cada momento
sempre
desigual a
ti mesmo"
Mas não só os ponteiros são angustiantes medidas dos nossos passos. Para o poeta, o relógio digital também
"tem ar de quem não erra"
O tempo do poeta não é simplesmente a imagem de um pássaro preso na gaiola, nem é um pássaro migrando por instinto, que voa para não mais voltar.
Para desvendar o tempo do poeta é preciso desvendar a anatomia do seu pássaro de vidro. O pássaro é o tempo com seu "bater de asas", essa "ave estranha", "enigma com asas", que "resguarda tudo".
Se não sabe que pássaro é o tempo, renda-se a ele como o poeta se rendeu:
Se não sabe que pássaro é o tempo, renda-se a ele como o poeta se rendeu:
"e me rendo
ao espaço
do pássaro
de vidro" ;
Deixa que ele ouse, que vibre, como pede o poeta:
"Deixa que ele
pouse
vidro manso
em tua mão
jóia fria
entre os dedos"
Mais que deixar que o tempo-pássaro pouse, é voar junto, mesmo sabendo da "condição ambígua", da "falsa noção de equilíbrio". Mesmo se esborrachando "sem tambor nem auxílio", vai como pássaro-sísifo outra vez voar e viver, consciente do vidro que quebra, porque os cacos são folhas secas, os cacos aguardam a segunda dentição, os cacos são a digestão do tempo,
"o resto são musgos do tempo".
Solange Firmino
Pássaro de vidro (3)
o pássaro é cego
e cego é quem
se agita
em seu espaço
ambíguo
esse espaço
de incessante
tarde nua
onde o voo
risca um traço
branco
de vidro no vidro
e cego é quem
se agita
em seu espaço
ambíguo
esse espaço
de incessante
tarde nua
onde o voo
risca um traço
branco
de vidro no vidro
Carlos Machado
2 comentários:
Sol, espetacular a tua resenha! Adorei o poema de Carlos Machado e o site. Tem poemas lindos!
Obrigada querida!
Beijos mil :-)
Belos poemas! Fragilidade do vidro na ousadia e risco do voo, um adolescente
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