sexta-feira, março 25, 2005

Palavras - Manoel de Barros

Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem. Eu desestruturo a linguagem? Vejamos: eu estou bem sentado num lugar. Vem uma palavra e tira o lugar debaixo de mim. Tira o lugar em que eu estava sentado. Eu não fazia nada para que uma palavra me desalojasse daquele lugar. E eu nem atrapalhava a passagem de ninguém. Ao retirar debaixo de mim o lugar, eu desaprumei. Ali só havia um grilo com sua flauta de couro. O grilo feridava o silencio. Os moradores do lugar se queixam do grilo. Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta. Agora eu pergunto: quem desestruturou a linguagem? Fui eu ou foram as palavras? E o lugar que retiraram debaixo de mim? Não era para terem retirado a mim do lugar? Foram as palavras pois que desestruturaram a linguagem. E não eu.

Manoel de Barros

3 comentários:

marina costa disse...

Adorei o poema e vou usá-lo para iniciar um capítulo em meu trabalho de mestrado, porém preciso da fonte. você sabe em que livro está? Será que pode me mandar?
Muito obrigada, marina

solfirmino disse...

Marina, não tenho como te deixar um recado, então deixo aqui, na esperança de que retorne:
BARROS, Manoel Ensaios Fotográficos- RJ: Record, 2000

Eliana disse...

Ahhh, Manoel de Barros e sua escrita tão única!

Amo a forma como ele utiliza as palavras e me deixa refletindo o significado das suas construções.

Gostei de conhecer esse pequeno trecho.

Um abraço!

Ps: quando conheço um blog novo tenho o hábito de visitar a primeira postagem, não sei explicar o motivo, mas acho interessante saber como o blog começou.