domingo, fevereiro 27, 2022

Árvore cortada

 



Quem leu a postagem do dia 18.02.2022, sabe que passei por uma árvore na Silveira Martins, no Rio de Janeiro, com uma raiz exposta. Mas em 24.02, passei novamente na rua e a árvore havia sido cortada. Provavelmente esta semana deverá ter sido completamente arrancada. 

Postarei agora o que não postei antes, mas guardei, a árvore inteira, pois naquele dia estava nublado e as fotos saíram escuras. Vou postar em homenagem aos pássaros que perderam seus ninhos e as raízes que deixarão de crescer.


A árvore vã

segura o abandono

da estação

 

ela nunca escolhe

mas não arreda pé

de sua substância

ferida na seiva

 

desmancha-se

na sua profundidade

esperando atrair

os pássaros dementes

perdidos de seus ventos

 

Solange Firmino


 

Imagens: Rua Silveira Martins, Catete – RJ.

sexta-feira, fevereiro 18, 2022

Árvore fantasma

 ATENÇÃO: HÁ UMA ATUALIZAÇÃO PARA ESSA POSTAGEM NO LINK A SEGUIR:

 

ÁRVORE CORTADA.


A árvore vã

segura o abandono

da estação

 

ela nunca escolhe

mas não arreda pé

de sua substância

ferida na seiva

 

desmancha-se

na sua profundidade

esperando atrair

os pássaros dementes

perdidos de seus ventos

 

Solange Firmino



Imagem: Por mim, hoje na Rua Silveira Martins, Catete – RJ.


quinta-feira, fevereiro 17, 2022

Lançamento do livro "Quando a dor acabar"

 


Chegaram os livros que deveriam ter chegado no meu aniversário. Meus amigos e familiares já podem adquirir.

O livro tem a introdução do amigo Fábio Pessanha. Poeta, doutor em Teoria Literária e mestre em Poética.

Se quiserem ler o que ele achou do livro, eis aqui:

Solange Firmino escreveu um livro que festeja o tempo na tensão entre esperança e desolação, fluidez e permanência.

Em Quando a dor acabar acontece a apropriação da ambiguidade na necessária constatação pelo imaterial.

Muitas são as questões que seu trabalho levanta, mas talvez a espinha dorsal da presente trama imagética seja a solidão engasgada na garganta poemática da poeta, dando aos versos a longitude imprecisa que impede qualquer alusão à absoluta estabilidade.

É uma solidão atravessada por muitas dimensões, e o permanente está no que muda, assim como a mudança só acontece porque perdura, como aponta o verso “sou permanente / mas estou de passagem”. Há aqui o rearranjo de alguns lugares que seriam comuns se não passassem pela leitura da autora: “o poema vai morrer em frases comuns / como as gotas que compõem as chuvas / e as geografias dos desertos”.

Engana-se quem se restringe a perceber nesses versos a trivialidade do fim, pois a questão que se levanta é a da unidade (o “tudo é um” de Heráclito). Ainda na trilha dos rearranjos, lemos “assim, desisto do texto original” e é possível dizer que não há abandono pela desistência, mas a assunção da impossibilidade de se firmar um lugar, pois o texto original é este que a cada instante se oculta no que tentamos enxergar.

Este livro é um exercício diário de existência, da percepção do fim como princípio, da morte como tensão (não restrita à extinção material), bem como nos diz o poema Sépia: “faz um silêncio tão grande / quanto as mãos num copo vazio”. Fábio Pessanha

 


*Quem quiser adquirir, deixe recado nos comentários.

terça-feira, fevereiro 15, 2022

Rascunho na insônia

 


Quero compor um canto de ninar

de tom sublime.

A canção mais terna,

que transcende o tempo e vai além do espaço,

pulsa em mim,

mas não consigo fazer música no descompasso de

desafinados amores,

além do mais,

desconheço notas e metáforas musicais.

 

Então tento compor uma narrativa. Navego sobre as

formas poéticas. Mas indecisa entre prosa ou poesia, pois minha prosa sempre foi presa, espero as palavras certas para reinventar versos sem rigor de métrica e rima. Minha atual metalinguagem só permite um refrão minimalista:

 

Vida.

Vida.

Vida.

 

Faço de dia um poema,

qual Penélope tecedeira,

para desfazer à noite

e refazer na insônia.

 

Desfio os novelos de Ariadne

com uma navalha que dilacera meus versos.

Rabisco no papiro tudo aquilo que o Aedo me sopra.

 

De vocabulário parco,

um poema que poeta algum escreveria revela-se para mim.

 

Não saberia recitar meus poemas,

nunca tive paciência para escandir versos,

por isso faço poucos haicais e nenhum soneto.

 

Sempre convido uma musa

para que venha velar meu sono

e trazer o ritmo,

iluminar meus dias,

ofertar os tons que me inspiram a Poesia.

 

Mexo na caixa de relíquias e ajeito conchas,

pedras, traços, cicatrizes,

retalhos desconexos,

anseios e conquistas que sustentam meu universo.

Tantas metas perdidas...

E alguns enigmas além das palavras

que me devoram como monstros.

 

Conheço a ordem das palavras nas frases

e decifro o enigma da Esfinge,

mas não aguento as Aves de Prometeu.

Fujo do Estige enquanto o trovador compõe

uma sátira em meu nome.

 

Harpias já começam a me rodear.

Mas meu ventre ainda é fértil,

não vou ceder agora.

 

Disfarço um olhar,

como se evitasse olhar a Medusa de frente.

Mas me Narciso:

miro-me e vejo máscaras no espelho.

 

Eu sou várias.

Ainda sobreviverei.

 

Já é dia, traços de luz enquadrinham o amanhecer.

Restarão estas palavras no papel.

Semente ou ovo, tudo (re)começa.

Amanhã deleto tudo e reescrevo.

Estou com sono finalmente.

 

Solange Firmino


 

No livro “Fragmentos da insônia”


📸 Victor Nizovtsev

domingo, fevereiro 13, 2022

Casulo

 


Abrem-se para o mundo
na rara manhã
ainda intactas
asas em suspenso

((vão devagar))

na quietude ausente
das nuvens que passam
um anjo nasce

Solange Firmino


No livro “Quando a dor acabar”.

Imagem: Anjo de Victor Nizovtsev.

quinta-feira, fevereiro 10, 2022

Pulsante

 


Nunca me preparo para viver mais um dia
digo sim a tudo o que acontece
com assombrosa certeza
meus silêncios comungam
com a estranheza desse tempo
meus sonhos tensos amanhecem do avesso
alheios à luz da aurora

Solange Firmino

 
No livro “Quando a dor acabar”.


*** Imagem: Rosa do meu jardim.

segunda-feira, fevereiro 07, 2022

Ancestral

 


Ancestral

Somos antiquados
aprendemos a tecer no tempo
como a moldura de um retrato apagado
por medo de fenecer


Solange Firmino


No livro “Quando a dor acabar”, em pré-venda na Caravana Grupo Editorial.


Imagem: Eu em 05/02/2022 - Comemorando meus 50 anos. 

sábado, fevereiro 05, 2022

50 anos

 

Atraem-me os astros em mutação constante. Como um tempo a procurar a densidade da luz e das trevas onde se extiguem os dias. A vibrar na estreita linha da existência, leve como mais leve nuvem. Sem tocar a idade do rosto que me pertence.
Um universo quase encenado na dimensão da vida.
Talvez uma uma chama desarmante sobre os lábios me deixe ver o princípio de quem sou e a cintilação da luz implacável presa no equinócio de outono a entoar, em pluviosa melodia, em aflição cósmica, a nítida possibilidade da madrugada em que nasci. A agitação da terra e do firmamento pode ser a denúncia ou o aviso de que o perfume das flores me cegará no instante de morrer.

Graça Pires, Em: Antígona passou por aqui. Pág. 30.

quinta-feira, fevereiro 03, 2022

Sépia

 


Mais um poema do livro novo no site da Graça Pires, minha amiga portuguesa que escreveu a apresentação do livro “Diante das marés”. O link para o site dela está aqui. Vale a pena a visita: Ortografia do Olhar


Sépia
 
Nos traços do dia
a palavra fora ou dentro
é impermanente
aguçada como a incandescência da luz

faz um silêncio tão grande
quanto as mãos no copo vazio

ardem na tarde ocasional
as cinzas e seu sopro vistos
através da claridade
na brisa transparente
do rio que vai arranhar o mar

Solange Firmino


No livro “Quando a dor acabar”, em pré-venda na Caravana Grupo Editorial.

Imagem: Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro.