terça-feira, maio 16, 2006

Gaia, a mãe primordial

Gaia
Um dos mitos gregos sobre a criação do mundo conta que no princípio havia o Caos ilimitado e indefinido. Depois surgiu Gaia, a Terra, que criou a si mesma e a Urano, o Céu.  Do encontro entre o Céu e a Terra nasceram os filhos da fase inicial da formação do planeta, Titãs, Ciclopes e Hecatonquiros. O Caos, organizado com as divindades primordiais, passou a ser Cosmos.

Gaia personifica a Terra, a Mãe Primordial dos deuses e dos homens, doadora da vida que estruturou o Caos. Na mitologia, Gaia tinha tantos nomes quantas fossem as suas representações na natureza, como as deusas Géia, Telus, Cibele e Ops.

A frase “mãe é uma só” é verdadeira nesse aspecto, pois todas as Deusas são uma única Deusa. Todas são manifestações da Grande Mãe, a energia criadora que dá a vida, nutre e mantém os filhos.
A figura da Deusa foi uma das primeiras representações divinas criadas pelos seres humanos. Descobertas arqueológicas sugerem que os arquétipos femininos presentes em diversas culturas visavam ao culto da Grande Mãe.

Religiões antigas cultuavam imagens femininas como sagradas por suas relações com a natureza e a fertilidade.
O culto da Mãe Terra na Grécia acontecia em vários locais, mas Delfos era considerado seu “umbigo”, o centro da sabedoria. Gaia permitia que as fendas e grutas de Delfos falassem através das sacerdotisas sobre a origem do mundo e dos deuses.

A serpente Píton era guardiã do Oráculo de Delfos, mas Apolo matou a serpente e passou a ser o guardião masculino do local.
O masculino suplantou o feminino. As divindades masculinas ficaram em evidência e o patriarcado passou ao seu longo período de domínio. Com o passar do tempo e com a consolidação do cristianismo, as sociedades se afastaram das religiões que cultuavam divindades femininas.

Atualmente as sociedades vivem em época de crise em vários aspectos, como os religiosos e ambientais. De todos os cantos do planeta, vários grupos e líderes conduzem o questionamento de que a Terra é o nosso lar e precisa ser preservada para que as espécies sobrevivam.
Diante do despertar de valores ligados à preservação das formas de vida no planeta, várias religiões tentam modernizar antigos rituais de adoração à Deusa Mãe e suas manifestações.

Com a valorização de figuras arquetípicas femininas, até quem nunca teve muito prestígio ganha importância, como Maria Madalena, presente nas histórias da Bíblia como a prostituta que viu Jesus Cristo após a ressurreição. Sua figura foi reavivada depois do papel principal que teve no best-seller “Código da Vinci”, de Dan Brown. Vários escritos situam sua figura como esposa e verdadeira líder da Igreja de Cristo. Que evolução no pensamento histórico e religioso...

A evolução dos seres vivos no planeta é um processo seletivo, espontâneo ou simbiótico?
Quanto mais os cientistas e pesquisadores estudam, mais confirmam que os organismos vivos mantêm uma interdependência. Mesmo as relações aparentemente destrutivas apresentam equilíbrio, como estudamos na cadeia alimentar de várias espécies.

A consciência da diversidade de espécies convivendo no planeta trouxe de volta o símbolo de Gaia como energia primordial que cria e mantém.
As políticas de desenvolvimento sustentável levam em conta agora a controversa teoria da Terra Viva, proposta há poucas décadas pelo biólogo inglês James Lovelock com o nome de "Hipótese Gaia".

São parte de Gaia os oceanos, a atmosfera, a biosfera e todos os elementos que compõem o planeta e fazem dele um grande sistema vivo. Segundo Lovelock, a Mãe Terra regula sua própria estrutura, busca seu próprio equilíbrio, não só cria a atmosfera, como mantém todos os elementos favoráveis à sobrevivência dos filhos, por isso mesmo, com todas as ações que temos feito ao ambiente, ela também pode ficar doente. Se uma parte é afetada, tudo sofre. E nós, com nossas ações, somos responsáveis pelo equilíbrio que afeta o Sistema Gaia.

Quando olhamos para o mundo dos mitos, sabemos dos encantamentos das religiões e dos deuses e por que reverenciavam a Terra.
Se olharmos igualmente nossa história no planeta, saberemos, com ou sem hipótese Gaia, que estamos agindo mal e que toda recuperação possível passará pela visão holística e consciente dos nossos passos na busca do equilíbrio para o futuro.

Se essa busca reverenciar os princípios femininos de Gaia, ótimo! Assim estaremos de olhos abertos para a magia da natureza e a beleza e os encantos do planeta como um ser vivo e integrado. E sagrado.

Solange Firmino


segunda-feira, maio 15, 2006

Geometria de Ícaro




O céu côncavo 
abarca o voo 

O sol oblíquo 
derrete a cera 
e o sonho 

O mar convexo 
recebe 
a queda

Solange Firmino


* Imagem: Herbert Draper, The lament for Icarus.

domingo, maio 07, 2006

Orkut contra o voyeurismo virtual

A Curiosidade pode ser uma virtude. Graças ao desejo de conhecer, o ser humano descobriu e inventou muito, como a captura da energia elétrica e o computador, que permitem que utilizemos a internet, entre outras maravilhas.

Mas a curiosidade nem sempre é bem-vinda. Na mitologia grega, por exemplo, muitos curiosos foram punidos. Psiquê perdeu Eros, antes de ficar com ele eternamente. Orfeu perdeu Eurídice, depois de tê-la recuperado no Hades. Pandora abriu a caixa com os males, levando a culpa, como a Eva cristã, pela perda do paraíso humano na Terra.

Existe um limite no desejo de saber demais, principalmente querer saber demais sobre a vida alheia. O ser humano tem a mania de espiar a vida do outro, seja por fetiche ou curiosidade, por isso programas como pegadinhas e reality shows fazem tanto sucesso.

Além da espiadinha básica, existem outros olhares nada inocentes. A psicopatologia classifica o olhar compulsivo como voyeurismo . O voyer observa, mas prefere que não saibam que ele está vendo. O exibicionista gosta de ser olhado.

No Orkut, voyerismo e exibicionismo se entrelaçam propiciando grandes encontros que se tornam amizade, inimizade e até amor.

As opiniões se dividem entre as pessoas que se expõem. Apesar de ser um portal público, uns gostam de ser olhados, outros acham que ninguém que não esteja na sua lista de amigos deve olhar o seu perfil.

Agora há uma novidade, que é a possibilidade de saber quais foram os seus visitantes. Não é novidade a identificação de usuários de serviços. Quem usa a internet está acostumado com os cookies e os endereços do IP. Há serviços de estatísticas em blogs e outras páginas, inclusive em Blocos online, que sempre indica nos boletins informativos os acessos de cada cidade e país ao portal. Se não fosse esse tipo de “rastreamento”, como saberíamos da visita de 66 países no mês de abril?

Fora da internet, há o identificador de chamadas no celular e também no telefone fixo (bina) e há o nosso número de telefone (e até endereço) na lista telefônica. Muitos desses serviços podem ser desabilitados, assim como o fofoqueiro serviço do Orkut, que você pode configurar, mas não reclame por não saber quem vigiou você.

Sem discutir políticas de privacidade, voltemos para a curiosidade do ser humano. Digamos que Fulano de Tal visitou você. Será que você não terá curiosidade de saber que é essa pessoa e por que ela teria lhe visitado? Lá vai você fazer uma visitinha também...

Afinal, o Orkut não é um portal de relacionamentos? As pessoas se relacionam quando se conhecem e elas se conhecem se encontrando. No Orkut, isso pode acontecer depois de uma olhadinha nos perfis, que podem ser vistos em uma comunidade ou rede de amigo...

Como diz um ditado, olhar não tira pedaço, mas quem fazia bisbilhotagem só por fofoca ou só para ver quem andou escrevendo recado para o namorado terá que tomar mais cuidado.

Solange Firmino

Publicado na Coluna Orkultural em Blocos online.

Amor e instinto maternos

Escultura de Otto Moroder

Ser mãe é padecer no paraíso. A mulher só se realiza plenamente com a maternidade. O instinto materno existe em toda mulher, mesmo naquela que ainda não é mãe e nunca será. Esse é o mês em que mais ouvimos e lemos frases como essas.

Não conheço o paraíso, mas em quase três anos como mãe, sem contar os meses de gravidez, já padeci bastante e sei que ainda tenho muito pela frente.
Padecer é também continuar ouvindo e lendo frases feitas. Ser mãe é isso, ser mãe é aquilo, mãe tem que ser assim, mãe tem que ser assado, mãe não pode mais isso, não pode mais aquilo. Mas o que sempre incomodou foi o tal instinto materno.

Essa questão não reforça ainda mais a sociedade sexista em que vivemos? Pai não tem instinto? A mulher só se realiza plenamente com a maternidade? As mulheres que não correspondem a esse modelo tradicional de maternidade têm que ser punidas emocionalmente? Por que ser mãe é algo tão puro e nobre, se nem todas as mães são nobres?

Acredito na capacidade que todo ser humano tem de criar vínculos, de amar. E até de amar incondicionalmente alguém, principalmente um filho. Qualquer afeto precisa da convivência e da conquista diárias para crescer. E considero o amor materno um desses afetos. O amor que cresce em mim pelo meu filho começou com o aprendizado diário em ser mãe dele, não existia antes da concepção e tornou-se diferente e mais intenso desde a primeira vez em que o vi.
O amor materno é diferente como é diferente o amor em cada relação. Talvez o que chamam de instinto materno seja o instinto de preservação da espécie, que também está presente nos animais.

Ser mãe é uma experiência única porque a mulher sente o bebê mexendo na barriga e pode amamentar? Quem não amamenta não é mãe integral? Mãe adotiva não tem instinto materno? Mãe de bebê de proveta não é mãe?
Conheço mães adotivas que têm mais amor pelos seus filhos do que muitas mães naturais que não se comprometem nunca com a maternidade e que, em uma situação de escolha, sempre optarão por si mesmas.

Se existe o instinto materno, para mim ele está no tipo de mãe de um relato da bíblia, em que o rei Salomão teve que dar um veredito sobre o caso de duas mulheres que disputavam uma criança. Salomão sugeriu que cortassem a criança ao meio e cada um ficaria com uma parte. A mãe verdadeira não deixou que cortassem a criança, preferindo que ficasse com a outra, desde que ficasse vivo.
Ser mãe é escolher o melhor para o filho, mesmo que tenha que perdê-lo.
A maternidade não é uma auréola. As mães não são santas, são seres humanos, com capacidades de amar, detestar e fazer escolhas, mesmo que não sejam as ideais.

Solange Firmino