sexta-feira, julho 04, 2025

Temporal


A sede que implora a chuva
ignora o horizonte nas sombras
quando a frágil gota brota
no alvoroço da tempestade
desorienta as névoas

o sopro do vento agita a solidão lá fora
no cais os barcos balançam
mas não tenho medo
da previsão meteorológica
não quero decretar o fim do inverno
gosto dos dias nublados

quando a gaivota pousa
na manhã morna
eu amanheço pacífica

Solange Firmino 

terça-feira, maio 20, 2025

Confissões


                                                                             


Abraço as páginas rasuradas do meu diário
dói-me a espera na recordação angustiante do beijo

o silêncio corta as palavras
ouço o chicote nos pecados
envergo-me com o açoite
arrasto-me deixando pegadas
e me afogo com a sede no deserto

recolho as ausências e me cubro
com o contorno das nuvens

como as pétalas que aguardam o beija-flor
GIRASSOL buscando a luz


Solange Firmino 


Imagem: Girassol do meu jardim.





terça-feira, março 18, 2025

Haicai de verão

 




Tardes de verão:
as boninas coloridas 
criam cores vivas

Solange Firmino


📷  Boninas do meu jardim em março. Verão de 2025.

quarta-feira, fevereiro 05, 2025

Meu aniversário



Para quem não sabe, hoje é meu aniversário. Há 1 ano eu recebi alta da segunda cirurgia e vim embora sem andar, sem bolo, mas viva, o que é mais importante!

Na primeira cirurgia, há 12 anos, eu passei mal no dia 04/02, e cancelei meu bolo direto do hospital, pois fiquei internada. 

Esse bolo lindo e gostoso da Santo Favo é só um símbolo desses bolos que eu não tive. E quem me conhece, sabe que eu adoro bolo.



REVELAÇÃO                                 
    
Desencontrei-me nos dias descompassados
perdi pelas rotas justo a parte que era todo mundo

minha parte multidão procura palavras férteis
que me façam existir novamente

mas pondera ou delira no autorretrato
e se assusta com o fantasma sem linguagem
com uma voz que não está
nem aqui nem lá

também tenho outra parte em busca incessante
de cada sílaba imperecível que possa me nomear
uma parte que sabe que não há arte
que traduza a vida


Solange Firmino 

sábado, fevereiro 01, 2025

Um ano de cirurgia!

 



Hoje completa 1 ano que operei pela segunda vez. 

O título do poema sugere o quanto eu caí e meu filho me levantou. 

Fraturei várias partes do corpo, levei pontos na cabeça; então o neuro me internou até a data da cirurgia. 

Quem me conhece, sabe pelo que passei e como estou. O resto não importa.

● REMENDOS ●

Como sou breve,  
já me confundo 
quando invento
um tempo para o descanso.

Mas ainda tenho um pouco 
de memória para a impermanência. 

Solange Firmino


📷 Museu da República, 01.02.2025   

quinta-feira, janeiro 30, 2025

🌼 A sabedoria dos poemas

O poema aprende cedo

mal nasce e já escreve

sobre amor e catástrofes

punhal e seda

flor e abismo


bem novo e já tem memória vivida


o poema entende da morte

mas não morre de velhice


para saber tanto sobre o mundo

o poema dorme tarde


Solange Firmino


📷 Flor do meu jardim

sexta-feira, janeiro 03, 2025

Haicai


Os traços do pólen
na miragem da existência
da corola fértil

Solange Firmino




 Imagem: Fotografia tirada no Inca Voluntário - 
03/01/2024


quarta-feira, novembro 13, 2024

Celebração


Em 01/02/2024 eu passei por outra cirurgia cerebral, após 12 anos de tratamento. Está tudo dando certo até agora. 
Isto é uma celebração.

 ***

Todos os eus

que absorvem o concreto das coisas

percorrem pelos inconcretos avessos

em busca de refúgio

do abrasamento nada suave

em se sentirem destoantes

 

nós sabemos dos poemas intactos que se bastam

sem precisar ser escritos

mas os poemas não têm sido usados

para salvar o mundo

de que adianta escrevê-los em

pedra, pergaminho, papel ou computador?

 

reparamos nas nuvens inquietas

enquanto anoitece

os traços desenhados da vida

nas iminentes chuvas

não nos causam mais medo

 

festejamos a vida

a cada segundo que descortina a manhã

o medo de existir nas odisseias se extingue

não navegamos ao léu

nem estamos submersos

neste mar de delírios

 

já vimos Narciso se acabar no espelho

vivemos na espera

sabemos que a vida resiste

temos pronta a oração

para a travessia


 Solange Firmino

quarta-feira, dezembro 20, 2023

Qual o seu desejo secreto?


💻 📱

Leiam em Amaité Poesia & Cia, a leitura que fiz do Poema de Natal, de Luís Palma Gomes:


https://amaitepoesia.blogspot.com/2023/12/qual-o-seu-desejo-secreto-solange.html



Pedido de Natal

Ouves o tempo,
cínico e claro
clepsidra de vento
perdendo a razão
porque a loucura é
e será sempre
a melhor desculpa
para quem deixou de acreditar.

Ouves o tempo,
fio que conduz
fio de cem pontas inenarráveis
serpenteando por lugares, olhares
que pareciam ter a certeza
ou medo talvez disfarçado
de penas e asas,
levantando em voo
num bando de incontáveis sensações.

Seremos uma cápsula engolida por um gigante
e regurgitada depois numa galáxia distante?
Que ele nos engole é certo.
Se nos regurgita depois
jovens e intactos
numa praia do sul,
é o nosso desejo secreto, sereno,
a primeira prenda que pedimos em cada Natal.

Luís Palma 

quinta-feira, novembro 30, 2023

Se pudesse, fazia-me de versos: Lília Tavares




Leiam em "Amaité Poesia & Cia", um pequeno ensaio sobre o livro "Parto com os ventos", de Lília Tavares.



Hoje acordei com a dor das árvores;
estou de pé e o meu tronco sustém
o vazio e a solidão dos ramos
côncavos de espera,
impacientes de ternura.
Quero o bracejar dos pássaros,
ser refúgio dos ventos que me procuram,
tornar-me na folhagem que te abriga,
ser o ninho na tua noite, aberto 
com a inquietação e a serenidade
dos rumores das aves mais tardias.
Não, desta vez não vou.

Lília Tavares